DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
O andar da carruagem vai mostrando que não deve ter sido
só por arrogância ou displicência que a presidente Dilma Rousseff jogou
na mesa a carta da Constituinte exclusiva sem consultar gente do ramo.
Ao que tudo indica não ouviu de propósito. As consultas prévias, como se viu pelas reações, não lhe dariam sustentação para prosseguir. O vice Michel Temer, professor de Direito Constitucional, já havia registrado em artigo antigo seu veredicto: "Inaceitável".
Sabia a presidente, portanto, que não teria o apoio do PMDB. Além de seu maior parceiro, o partido comanda o Congresso sem o qual não se materializaria a sugestão.
Se quisesse fazer a coisa para valer obviamente teria se cercado de um mínimo de cuidados; pelo jeito a ideia era dar um brado retumbante qualquer sem o menor compromisso com as condições objetivas para a execução da proposta.
Deu-se de barato que o governo federal tinha feito a sua parte com a pauta dos cinco pactos, a Constituinte ficou na conta de um passo em falso e a reforma política tomou conta da cena mais uma vez apresentada como a panaceia que curará todos os males. Agora embrulhada com o vistoso laço de fita do plebiscito.
Da redemocratização para cá a experiência brasileira com plebiscitos se resume à consulta de 1993 sobre o sistema de governo. Entre presidencialismo e parlamentarismo, a maioria escolheu o modelo que lhe pareceu o mais adequado.
A decisão, porém, foi baseada na aparência. Dois ou três sofismas bem ajeitados contra o que seria a transferência do poder de escolha do povo para a supremacia absoluta do já então desgastado Parlamento, deram a vitória ao presidencialismo. Ganhou a melhor propaganda, não necessariamente o melhor sistema porque não foram esmiuçados e destrinchados benefícios de malefícios de cada um.
Isso com apenas duas perguntas (a outra era sobre república e monarquia). Entre a promulgação da lei pelo então presidente Itamar Franco, em 4 de fevereiro, e a realização do plebiscito, em 21 de abril, transcorreram dois meses e meio.
Agora, segundo a proposta do governo, pretende-se dar um prazo de duas semanas para que a população entenda toda a gama de complexas questões que envolvem uma reforma do sistema político, eleitoral e partidário. Esse plebiscito vai perguntar o quê?
Os assuntos são inúmeros: financiamento de campanhas, fidelidade partidária, voto proporcional ou distrital, fidelidade partidária, lista aberta ou fechada, eleições parlamentares em dois turnos, cláusula de barreira, coligações, suplentes de senadores, fim da reeleição e vai por aí afora.
Quem vai estabelecer a pauta? Vamos que o governo faça uma proposta e aceitemos que incorpore a agenda preferida por seu partido, ainda assim os termos da consulta terão de ser aprovados pelo Congresso que há 20 anos se desentende justamente sobre os pontos da reforma.
Note-se que voltamos ao ponto de partida. Do qual não se sairia também no caso do referendo. O Congresso precisaria entrar em entendimento consigo e com a sociedade, votar uma reforma e perguntar se o País concorda com ela. A preliminar continua a mesma: que as pessoas compreendam o significado dos pontos em discussão.
Caso contrário, valerá a manipulação de generalidades como em 1993. Lógica semelhante à das campanhas eleitorais em que sobra propaganda e falta política com letra maiúscula.
O que temos de positivo agora é o impulso. Se não se deixar que essa energia vire pó, serve para o início de um processo de educação cívica madura e politizada.
E já que ninguém tocou no assunto ainda, aqui vai uma sugestão: começar perguntando se as pessoas preferem voto facultativo ou obrigatório.
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