MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Desempregado usa própria casa para 'cobrar' dívida do governo no Amapá


Amapaense afirma que foi atingido por carro oficial e não pode trabalhar.
Estado diz que dívida não existe e não há processo na Justiça sobre o caso.

Gabriel Penha Do G1 AP

"Toda vez que junto um pedaço de PVC ou uma tampa de balde plástico, trago para casa", diz Paulo Sergio (Foto: Foto: Gabriel Penha/G1)"Toda vez que junto um pedaço de PVC ou uma tampa de balde plástico, trago para casa", diz Paulo Sergio (Foto: Gabriel Penha/G1)
É quase impossível passar sem notar a casa do desempregado Paulo Sergio Souza da Silva, de 47 anos. O imóvel, que fica ao lado na ponte Sergio Arruda, que separa as zonas norte e sul de Macapá, na divisa dos bairros São Lázaro e Pacoval, chama a atenção e aguça a curiosidade de quem passa por ali, pelas incontáveis plaquinhas com inscrições como “governo me deve”, “dor 24 horas” e “Governo avança sinal, atropela e foge”.
Paulo Sergio diz que já perdeu a conta de quantas dessas “mensagens” tem em casa. “Toda vez que junto um pedaço de PVC ou uma tampa de balde plástico, trago para casa e escrevo essas palavras para não me fazer esquecer que o governo me deve”, relata.
As placas de “cobrança” e protesto estão espalhadas por toda a casa, desde a frente, pela cozinha, no forro e em cima da cama onde o dono dorme. Tem “governo me deve” pintado até na panela de pressão. Também chama atenção a perna de plástico pendurada na fachada, para simbolizar a dor moral que o homem diz sentir.

BO diz que houve omissão de socorro
A suposta dívida da União com o desempregado se deve, segundo ele nos conta, a um acidente ocorrido por volta de 21h do dia 16 de julho de 1985, quando o Amapá ainda era Território Federal - só foi transformado em Estado da Federação em 1988, com a nova Constituição. De acordo com o Boletim de Ocorrência (BO) da época, um carro da extinta Secretaria de Obras e Serviços Públicos (Sosp) avançou a preferencial no cruzamento da rua Eliezer Levy com a avenida Marcilio Dias, no bairro do Laguinho, colidindo com a moto dirigida por Paulo Sergio, na época com 19 anos de idade.

Ainda segundo o conteúdo da ocorrência policial, o motorista da pick-up oficial fugiu do local sem prestar socorro ao motociclista. “Quebrei a perna e trinquei o osso bacia. Fiquei dois anos sem andar. Nunca mais fui o mesmo. Tinha emprego de carteira assinada, mas nunca mais pude trabalhar”, relembra.

Oficialmente, dívida não existe
Oficialmente, porém, a dívida reclamada por Paulo Sergio não existe. Não há nenhum processo em andamento sobre o caso na Justiça, segundo informa José Menezes, assessor de comunicação da Secretaria de Estado da Infraestrutura (Seinf), que substituiu a Sosp.

"Em tese, o prazo legal para que a vítima entrasse com algum processo judicial, que é de cinco a dez anos, já prescreveu. Porém, o caso pode ser analisado, por exemplo, se não houve algum fato novo, algum motivo que tenha impedido o processo de ser aberto pela vítima", analisa Milton de Souza Corrêa Filho, doutor em Direito e professor universitário.
Hoje, Paulo Sérgio vive do aluguel de dois pontos comerciais em seu imóvel (Foto: Gabriel Penha/G1)Hoje, Paulo Sérgio vive do aluguel de dois pontos
comerciais em seu imóvel (Foto: Gabriel Penha/G1)
Em 2005, o motoqueiro recebeu indenização do Seguro Obrigatório (DPVAT) referente ao acidente.  “Até nisso fui enganado. Meu seguro deu R$ 16 mil e o advogado me deu apenas R$ 1 mil”, conta, dizendo preferir não falar o nome do advogado com medo de sofrer retaliação.

Esperança não acaba
Hoje, Paulo Sérgio vive do aluguel de dois pontos comerciais em seu imóvel, onde funcionam uma oficina de moto e uma borracharia. Esse aluguel lhe rende R$ 1 mil por mês. Ainda conta que já tentou várias vezes se aposentar por invalidez, junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social, mas colecionou várias negativas, mesmo apresentando laudos médicos que mostram que está incapacitado de trabalhar.

“Sou um cidadão, cumpridor de meus deveres. Nunca deixei de votar e pago todas as minhas contas e impostos em dia. Só quero o que me é de direito. Tem muita gente que me critica, me chama de maluco, mas também tem muitos que se solidarizam e me dão força”, esbraveja.

Enquanto a tão sonhada aposentadoria não chega, as placas e as frases são a única forma do desempregado reclamar e alardear que o governo lhe deve e, desde o acidente, há quase 30 anos, sempre lhe deveu.

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