Mestres folcloristas têm dificuldade em encontrar sucessor para o cargo.
'Jovens não se interessam pela cultura alagoana', diz mestre Guerreiro.
Guerreiro durante uma apresentação na Praça Deodoro, no centro de Maceió (Foto: Divulgação/Keyler Simões)
A realidade é que os octogenários mestres folcloristas que criaram os
grupos envelheceram e poucas pessoas dos movimentos têm interesse em
manter viva a tradição. A desvitalização do folguedo é notória no
Estado. Em Maceió,
até a década de 90, ainda era possível ver os ensaios semanais dos
grupos, que mobilizavam a comunidade em torno do acontecimento que
ganhava caráter festivo. Hoje, poucos grupos mantêm a tradição de ensaio
semanal, a maioria faz uma vez por mês.“Quando eu morrer, o meu Guerreiro vai morrer comigo porque não tem ninguém para ficar no meu lugar”, lamenta um dos mais antigos Mestres do folguedo alagoano.
Aos 77 anos, Juvenal Domingos ainda 'brinca' com os amigos no bairro onde vive. Ele comanda o "Guerreiro São Pedro Alagoano" e diz que todos os sábados acontecem os ensaios do grupo. Mas o grupo, que começou com 32 pessoas, sobrevive hoje com cerca de 15 integrantes.
Juvenal lembra que aos 10 anos começou a se interessar pela cultura alagoana. Todas as noites ele frenquentava um Guerreio na Fazenda Utinga Leão, na cidade de Rio Largo e, à época, chegou até a desafiar o Mestre Sebastião, que comandava o grupo.
Juvenal Domingos (à esq.) em uma das suas apresentações fora de Alagoas (Foto: Arquivo pessoal)
“Eu fica espiando e foi quando o Sebastião me chamou para a roda. Ele
perguntou se eu sabia dançar. E é claro que fiz o melhor! Dancei e
cantei todas as músicas que ele cantava e ele me disse que eu seria um
dos maiores mestres do Estado. E aqui estou!”, lembra o mestre.Há cerca de 20 anos era mais fácil ver a participação da juventude local nos folguedos. Muitos participavam dos grupos e dos ensaios. Hoje, Juvenal diz que vai em todas as casas do bairro onde mora, no Tabuleiro dos Martins, e nenhuma criança ou jovem tem interesse de ver os ensaios do grupo. “Já chamei várias vezes. Algumas crianças, antigamente, participavam, mas hoje elas têm vergonha. Não querem nem ver a apresentação”, desabafa.
Em reconhecimento a uma vida dedicada ao folclore, Mestre Juvêncio recebeu, em 2009, o prêmio de Cultura popular Dona Isabel, do Ministério da Cultura. Hoje, é presidente de Honra da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (ASFOPAL).
Integrantes
do Grupo Pedro Teixeira. Grupo mantém viva a tradição das Taieiras e
Baianas composta por rapazes (Foto: Divulgação/Fátima Brasileiro)
Ô Maceió! Do pastoril e do forróApesar das dificuldades, há 28 anos o Grupo de Folguedos e Dança Professor Pedro Teixeira mantém viva a cultura alagoana. Fundado pelo Mestre e professor Pedro Teixeira, no início, o grupo trabalhava com crianças, hoje, sob os cuidados da mestra Maria de Fátima Brasileiro Danylo, é composto por cerca de 20 jovens entre 15 e 28 anos, e já se apresentou em vários lugares do país.
Fátima Brasileiro revela que já pensou várias vezes em desistir e abandonar o grupo. "Quem trabalha com cultura sabe que é muito difícil conseguir destaque. Não temos incentivo, tudo o que temos aqui é fruto de doações. O Município e Estado deveriam investir em cultura, valorizar a cultura popular que é riquíssima", desabafa.
Grupo de Folguedo e Dança Pedro Teixeira durante apresentação no centro de Maceió (Foto: Divulgação/Fátima Brasileiro)
Os poucos jovens que acompanham os grupos ainda são a esperança dos
mais velhos. Paulo Xavier, 28, diz que cresceu no grupo. Há 17 anos ele
frequenta os ensaios todos os sábados. “Antes ficava sozinho em casa,
sem ter nada para fazer. Hoje me sinto ótimo. Aprendo todos os dias,
principalmente quando me colocam para puxar o grupo. É só felicidade",
afirma.A estudante Joyce Ferreira, 15, conheceu o grupo através de um amigo. Ela lembra que veio uma vez aos ensaios e ficou encantada. "Tem dois anos que estou aqui. O grupo foi uma oportunidade de aprender coisas novas e fazer amizades", diz.
Grupo de Baianas faz apresentação no centro de Maceió (Foto: Divulgação/Keyler Simões)
Segundo Joyce, os integrantes do grupo fazem a festa quando o grupo
recebe um convite para viajar e fazer apresentações fora do estado. "É
uma oportunidade de ouro porque consigo destaque no meu estado e em
outros estados. Sei que a nossa Mestra tem dificuldade para manter o
grupo, mas espero que ela nunca nos deixe na mão", afirma.Patrimônio Vivo
O registro do Patrimonio Vivo é o reconhecimento da importância do saber cultural que os mestres e mestras passam de geração em geração. É também a preservação da cultura do Estado, nas áreas de dança, folclore, folguedos, literatura, gastronomia, música, entre outras. Após o reconhecimento, os mestres e mestras recebem o auxílio de um salário mínimo e meio para ter condições de repassar o seu conhecimento.
Fátima
Brasileiros e os integrantes do grupo Pedro Teixeira em um dos ensaios
que acontecem todos os sábados (Foto: Michelle Farias/G1)
De acordo com a Lei 6.513 criada em 22 de setembro de 2004, e alterada
pela Lei 7.172 de 30 de junho de 2010, é concedido aos mestres
folcloristas a adição do nome ao Livro de Registro do Patrimônio Vivo do
Estado de Alagoas. A bolsa-incentivo pode ser paga a até 40 mestres ao
mesmo tempo e os candidatos devem ter pelo menos 20 anos de participação
em atividades culturais.
Pastoril infantil em uma apresentação do Projeto Bairro Vivo na Santa Lúcia (Foto: Divulgação/Keyler Simões)
Mesmo com a lei, os mestres reclamam que o repasse demora a chegar. “O
problema é que a agente conta com esse dinheiro, e quando chega o dia do
pagamento, não tem nada pra gente. Recebo um mês sim e outro não. A lei
não é cumprida”, afirma o Mestre Juvenal Domingos.Sobre os problemas orçamentais, o secretário da Cultura, Osvaldo Viégas diz que o atraso não é comum. "Em março, conseguimos pagar janeiro e fevereiro. Essa situação também nos agustia, pois gostaríamos de manter todos os pagamentos em dia e os mestres, principalmente, felizes e satisfeitos. Fazemos de tudo para cumprir a lei", explicou Viégas.
Apresentação do Fandango que é semelhante à Chegança (Foto: Divulgação/Keyler Simões)
AsfopalA Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (ASFOPAL) surgiu em 1985, após uma reunião de mestres folcloristas e o professor e amante da cultura alagoana, Ranilson França, falecido há sete anos. Em princípio, a Associação era composta por 17 grupos, entre Guerreiros, Pastoris, Chaganças, Baianas, Coco de Roda, Fandango, Taiera, Cambindas e bandas de pífanos. Tendo como objetivo único a preservação, manutenção, valorização e divulgação da cultura popular alagoana.
De acordo com a Asfopal, a exemplo dos grupos de Juvenal e Fátima Brasileiro, muitos outros enfrentam dificuldades para manter o sonho de uma Alagoas mais culta e que se reconheça nas manifestações culturais. Uma luta que atrevessa décadas, mas que demonstra estar perdendo a força diante de tantas dificuldades.
Locais onde ainda é possível encontrar os folguedos em Alagoas (Foto: Michelle Farias/G1)
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