E o povo negou Dilma três vezes no Mané Garrincha! O que isso quer e não quer dizer
Neste
sábado, antes do jogo, perto de 500 pessoas tentaram protestar contra o
uso de dinheiro público na Copa do Mundo. Diziam que ele deveria ser
direcionado para saúde e educação. Era uma manifestação pacífica, sem
armas, sem lança-chamas, sem coquetéis molotov. Mesmo assim, a Polícia
Militar do Distrito Federal, governado pelo PT, desceu o sarrafo na
turma. Até quando escrevo, a OAB não deu um pio, o José Eduardo Cardozo
não deu um pio. As sedizentes organizações de defesa dos direitos
humanos não deram um pio. Quando o PT bate em alguém, certamente é por
bons motivos, certo? Os que se manifestavam também expressaram seu apoio
ao movimento contra a elevação de tarifas de ônibus Brasil afora.
Dentro do estádio, o povo — ao menos aquele que foi ver o jogo entre as
seleções do Brasil e do Japão — vaiou Dilma três vezes. É grande a
tentação para juntar mal-estares “diferentes e combinados”, como diria o
companheiro Trotsky, num único movimento. Se caímos nessa tentação,
acabamos por obscurecer a realidade. Então tentarei fazer as distinções.
Começo
pelas vaias a Dilma. É claro que existe um grande eleitorado que se opõe
ao governo. O que tem faltado nesses 10 anos é oposição. Pirandello
cuidou das seis personagens em busca de um autor. No Brasil, há milhões
de eleitores em busca de quem os represente com clareza. E não
encontram. As forças políticas que não aderiram ao governismo têm se
mostrado tímidas; uma parcela, eleita para se opor, traiu o eleitor e se
bandeou para o poder. O eleitorado que disse “não” ao PT tem motivos de
sobra para se sentir pouco representado. Mas seu descontentamento
continua.
Cumpre
lembrar alguns números. Em 2010, havia 135,8 milhões de eleitores no
país. No segundo turno, Dilma foi eleita com 55.752.529 votos, contra
43.711.388 do tucano José Serra. Percebam: apenas 41% dos brasileiros
aptos a votar a escolheram. Os outros 59% preferiram a oposição, a
abstenção ou o voto branco ou nulo. No primeiro turno, a petista obteve
47.651.434 votos. Ou por outra: apenas 35% do eleitorado a tinham como
primeira opção. É claro que Dilma é uma presidente legítima, escolhida
segundo as regras do jogo. Mas dava para perceber de saída que estava
longe de constituir uma unanimidade. A política é que deveria ter se
encarregado de manter mais ou menos mobilizada uma fatia que fosse
daqueles que ativamente disseram “não” à candidata do PT. Isso não
aconteceu, como sabemos.
É bobagem
supor que o estádio inteiro vaiou Dilma e que não havia lá pessoas que
apoiam o governo. É até possível que, fosse aquele o colégio eleitoral,
ela ainda se sagrasse vitoriosa. Impossível saber. Uma coisa, no
entanto, é certa: os que a reprovam — ou, ao menos, repudiam a
exploração política de um evento esportivo — estavam lá em número
suficiente para se fazer ouvir. Com certeza absoluta, a porcentagem de
eleitores de oposição no Mané Garrincha é bem superior à de
oposicionistas no Congresso. Pode-se inferir mais: a porcentagem de
eleitores de oposição no Brasil como um todo é certamente maior do que a
de parlamentares oposicionistas. Afinal, estamos lidando com um dado da
história: pessoas eleitas para se opor acabaram virando casaca.
Por que
estão descontentes? Há uma penca de razões: inflação, corrupção,
ineficiência, restrições de natureza ideológica, que são legítimas, sei
lá eu…
Agora os protestos
A vaia no estádio nos lembra que existem,
sim, eleitores de oposição no país. E cumpre que não misturemos o
descontentamento desse cidadão pacífico, pagador de impostos,
trabalhador dedicado, com algumas manifestações de rua, degenerem ou não
em violência. O movimento contra os gastos na Copa mistura algumas
palavras de ordem que estão hoje na boca de partidos à esquerda do PT
com outras que poderiam ser encampadas por pessoas comuns, orientadas
apenas pela vergonha na cara: contra a roubalheira, por mais
transparência etc. Mas o sotaque, é inequívoco, o coloca naquele tronco
ideológico da cultura da reclamação, que acaba, no fim das contas,
servindo à esquerda. Notem que o repúdio de muitos a Dilma não os
impediu de assistir ao jogo. Ou por outra: o movimento que protesta
contra os gastos com a Copa do Mundo não resultará, necessariamente,
numa corrente de oposição à Dilma.
E o mesmo
se diga sobre os baderneiros de classe média que decidiram botar fogo em
algumas cidades brasileiras. O Movimento Passe Livre e partidecos de
esquerda que lideram essa pantomima violenta podem até considerar
adversários os petistas, mas, ATENÇÃO!, TRATA-SE DE DIVERGÊNCIAS no
campo dito “progressista”. Num eventual segundo turno entre Dilma e um
“candidato da direita” (como eles dizem lá em sua linguagem perturbada),
já sabemos como se comportam os radicais: acabam voltando
momentaneamente para a nave-mãe, o PT. Os que hoje pedem a redução da
tarifa de ônibus em São Paulo — ou a sua gratuidade — exigem um partido
mais radical, mais à esquerda, mais comprometido com o que chamam “lutas
populares”.
Esses
militantes não se misturam com aqueles eleitores de oposição que,
percebam, são de oposição justamente porque repudiam parte da agenda
petista. À diferença dos incendiários que estão nas ruas, o Brasil
oposicionista (o do estádio, não necessariamente o do Congresso) quer
mais ordem, não menos; quer mais respeito às leis, não menos; quer
indivíduos mais independentes, não menos. Essas agendas não se misturam.
Dado o ponto de vista que adoto, que é o de um liberal, as vaias no
estádio e a luta pelo “passe livre” são manifestações que estão em polos
distintos, antagônicos mesmo. As vaias traduzem um anseio, entendo, de
“despetização” do país. O Passe Livre está aí a cobrar que o petismo
seja ainda mais…petista!
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