MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Presença de crianças e entrega de doce marcam dia de Cosme e Damião


Fiéis lotam missas na igreja no bairro da Liberdade, em Salvador.
Santos gêmeos católicos são representados por Ibejis no Candomblé.

Egi Santana Do G1 BA

Igreja de São Cosme e São Damião ficou lotada desde o início desta quarta (27), no bairro da Liberdade, em Salvador (Foto: Egi Santana/G1)Igreja de São Cosme e São Damião ficou lotada desde o início desta quarta-feira (Foto: Egi Santana/G1)
Durante esta quinta-feira (27), os fiéis católicos comemoram o dia de São Cosme e São Damião na paróquia que leva o nome dos santos no bairro da Liberdade, em Salvador. Os festejos começaram logo cedo, por volta das 4h30, com uma alvorada de fogos e uma entoada de cornetas. Logo depois, a sequência de missas foi iniciada, por volta das 6h. O dia ainda seguiu com missas às 7h, 8h30, 10h, 12h e a última acontece às 15h30.
Às 17h, os fiéis saem em procissão pelas ruas do bairro da Liberdade. A grande novidade deste ano é a participação da imagem de Nossa Senhora da Conceição da Praia durante o cortejo. A programação religiosa será encerrada com uma missa solene às 18h na paróquia dedicada aos santos.
Gabriela ganhou muitos doces durante a missa na igreja da Liberdade (Foto: Egi Santana/G1)Gabriela ganhou muitos doces durante a missa
na igreja da Liberdade (Foto: Egi Santana/G1)
Dona Lúcia Santana, avó de Gabriela dos Santos, de 5 anos, estava desde cedo com a neta na igreja. Natural de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, ela falou do significado dos santos para a família. "Eu nunca pedi nada que não tivesse sido solucionado por São Cosme e São Damião. São meus santos desde que eu sou pequena. Acho que por isso trago minha neta, para passar a tradição e a força dos santos", conta.
Enquanto ouvia a missa, a pequena Gabriela se concentrava para não deixar cair os sacos de doces. "São muitos. Mas eu só posso comer depois do almoço", revelou.
Teve também quem faltou ao colégio para ir à missa na manhã desta quinta-feira. "Foi por uma boa causa. Ela estar aqui hoje, bem, é graças a uma promessa feita a São Cosme e São Damião. Então ela virá às missas todo 27 de setembro como forma de agradecer", explica dona Janete Mota, 72 anos, avó de Maria Eduarda, as duas moradoras do bairro Sete de Abril.
A presença das crianças é uma marca das comemorações a São Cosme e São Damião na Bahia por conta do sincretismo religioso, que une as comemorações católicas às do Candomblé, que tem nos Ibejis as figuras de duas crianças gêmeas, entidades seguidas pelos fiéis da religião africana. Na tradição dos Ibejis, os doces são ofertados também como agradecimento às entidades africanas.
Lázaro doa balas, vai às missas e oferece caruru  (Foto: Egi Santana/G1)Lázaro doa balas, vai às missas e oferece caruru aos devotos de Cosme e Damião (Foto: Egi Santana/G1)
Por conta disso, a doação de doces também passou a ser incorporada por parte dos católicos, que oferecem às crianças como forma de pagamento de promessas, ou somente pela devoção aos santos, como no caso do funcionário público Lázaro Dias. "Eu trago os sacos de balas todos os anos, vejo as missas, e na sequência ofereço um caruru na minha casa, em Cajazeiras", conta. Ele se diz católico, mas acha que "a mistura das celebrações é algo bom da nossa cultura, e na minha família nós cultivamos isso", avalia.
Padre Osvaldo é pároco da igreja da Liberdade (Foto: Egi Santana/G1)Padre Osvaldo é pároco da igreja da Liberdade
(Foto: Egi Santana/G1)
De médicos a santos
São Cosme e São Damião nasceram na Arábia, no século III. Cristãos de família abastada, os dois irmãos gêmeos estudaram medicina e trataram os enfermos da região da Cilícia, onde hoje está a Turquia.
Segundo o padre Josevaldo Nascimento, da paróquia São Cosme São Damião, na Liberdade, única de Salvador, os dois irmãos ficaram conhecidos na época por conta de suas habilidades em tratar as doenças tanto com a medicina quanto com a "palavra de Deus".
“Eles começaram a ganhar reconhecimento na região, entre os cristãos e entre os pagãos, o que causou preocupação por parte do imperador da época, que era romano e cultuava deuses não cristãos”, explica. Segundo o pároco, na época, os irmãos Cosme e Damião foram levados ao imperador, que os obrigou a adorar os deuses pagãos. “Eles se recusaram, por serem cristãos e difundirem a palavra do senhor, e foram martirizados por conta disso, por terem representado um perigo aos pagãos”, acrescenta.
Por conta do episódio, a fama dos irmãos já estava tão grande, segundo o estudioso, que a eles foram atribuídos milagres de pessoas curadas de enfermidades, o que fez, no século VI, quando já canonizados, que a igreja construísse a basílica de Cosme e Damião, próxima ao Coliseu de Roma. No Brasil, o culto aos santos veio com os portugueses durante a colonização.
Ibejis
São Cosme e São Damião  (Foto: Egi Santana/G1)São Cosme e São Damião (Foto: Egi Santana/G1)
Para os adeptos do Candomblé, São Cosme e São Damião são os Ibejis. “Nosso sincretismo começou ainda na época da colonização, quando os escravos eram obrigados a seguir a religião católica. Com inteligência, eles olhavam para as imagens de santos católicos, mas, na verdade, estavam cultuando seus santos e orixás”, afirma o padre Josevaldo Nascimento.
Ainda segundo o religioso, “há um esforço dos adeptos do catolicismo, e também daqueles que cultivam a religião africana, em deixar claro para as pessoas que se trata de cultos diferentes”. Essa diferença é explicada por Tânia Bispo, Maiê [segunda pessoa na hierarquia] da Casa de Oxumarê [Ilé Axé Oxumarê], um dos principais terreiros da capital, tombado como patrimônio material e imaterial da Bahia.
Crianças ficma na rente da igreja aguardando as doações (Foto: Egi Santana/G1)Crianças ficma na rente da igreja aguardando as doações (Foto: Egi Santana/G1)
Segundo ela, a história do Ibeji fala de uma mãe que teve problemas na gravidez de gêmeos e chegou a ter dúvidas se os filhos nasceriam com saúde. “Ela fez uma promessa a Oxum, que, se os filhos nascessem, seria doado uma comida de axé, que é o nosso caruru completo, que, além do caruru, tem cana de açúcar, feijão fradinho, pipoca, milho, ovo, farofa, vatapá, frango, abóbora, banana frita, rapadura, abará e acarajé”, descreve.
Crianças disputam os doces em frente à igreja, na Liberdade (Foto: Egi Santana/G1)Crianças disputam os doces em frente à igreja, na Liberdade (Foto: Egi Santana/G1)
Em relação aos doces e balas que são doados às crianças, tradição da festa, a religiosa explica que, como o Ibeji é considerado o representante das crianças e dos doentes e pelo fato de que essas iguarias são apreciadas pelos "pequenos", elas fazem parte da lista de doações.
“É louvável que vivamos em paz entre as religiões e, enquanto católicos, nós consideramos a validade da religião de nossos irmãos africanos enquanto um sistema de fé, mas, tanto nós, quanto os adeptos sérios do Candomblé, fazem questão de distinguir os dois campos como sendo de crenças distintas”, retrata o pároco da Igreja da Liberdade.

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