Percival Puggina
Nada reflete melhor estes dias que estamos vivendo do que o voto vacilante da ministra Cármen Lúcia na sessão que julgou mais uma “desmonetização de canais que apoiam o governo” e censurou um vídeo do Brasil Paralelo sobre quem mandou matar Bolsonaro em 2018.
Já há bom tempo, em nosso país, a Constituição é um corpo caído no chão. Ou, em outras palavras, a Lei, como pensada pelos maiores filósofos do Direito, é um corpo arrepiado porque quase tudo é feito “ao arrepio da lei” e ao interesse dos farejadores do ambiente digital. Com o devido respeito aos delegados, quem fez uma delegacia no STF, faz outra no TSE.
Fernão Lara Mesquita, em vídeo de hoje, sintetiza muito dessas aberrações dizendo que na reta final da campanha do 2º turno deixaram Lula com 395 inserções comerciais e Bolsonaro com 55. Uma goleada de 6 a 0, afirma ele, “com todos os gols feitos pelo juiz”. Meus aplausos!
Voltemos à ministra. Transcrevo-a literalmente, com muito pesar e repulsa.
“Este é um caso que ainda que em sede de liminar é um caso extremamente grave porque, de fato, nós temos uma jurisprudência no STF, na esteira da Constituição, no sentido do impedimento de qualquer forma de censura e medidas como essas, mesmo em fase de liminar, precisam ser tomadas como se fosse ... algo que pode ser um veneno ou remédio. E nesse caso, como se trata de liminar e sem nenhum comprometimento, presidente, com a...a... (inaudível) de manutenção no exame que se seguirá, eu vou acompanhar com todos os cuidados o ministro relator, incluído aí a parte da alínea c da decisão, que é a que me preocupa enormemente. Não se pode permitir a volta de censura sob qualquer argumento no Brasil.., é ... este é um caso específico e que estamos na iminência de ter o segundo turno das eleições ...a ...a proposta é ... a inibição é até o dia 31 de outubro ... exatamente o dia subsequente ao do segundo turno para que não haja comprometimento da lisura, da higidez, da segurança do processo eleitoral e dos direitos do eleitor, mas eu vejo isso de maneira excepcionalíssima e que se, de alguma forma, senhor presidente e especialmente senhor ministro relator, que é o corregedor, isto se comprovar como desbordando para uma censura deve ser reformulada imediatamente esta decisão, no sentido de se acatar integralmente a Constituição e a garantia da liberdade de ausência de qualquer tipo de censura. Portanto, é em situação excepcionalíssima, com os limites aqui postos que acompanho o relator, inclusive nesse item c, mas com esse cuidado de imaginar que se o relator principalmente, que é quem dirige o processo tiver qualquer tipo de informação no sentido de que isto desborda ou configura algum tipo de cerceamento à liberdade de expressão, precisa de ser reformada, inclusive a liminar. ... É com estes cuidados que vou acompanhar o relator, inclusive neste item 6."
Quanta contradição em poucas frases! É um voto desconjuntado e inseguro, titubeante. Resolvi transcrevê-lo para melhor avaliar as palavras que, escritas e lidas uma a uma, com leitura e releitura, são mais inteligíveis e falam mais claramente do que foram ditas. Esse é um voto de quem sabe está sendo conivente com um absurdo, mas a eles se habituou em nome da “colegialidade”, designação interna para o espírito de confraria que tomou conta do STF.
Atenção! Nada disso é transitório. Tudo já era frequente, em situações e sob formas distintas durante os quatro últimos anos. A Constituição, há bom tempo, é um corpo caído no chão. Sob o comando de Alexandre de Moraes, o TSE apenas acelerou o ritmo das violações constitucionais. Os atos finais da tarefa desse braço da corte não farão a menor diferença em seu ânimo, objetivos e conduta.
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