MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Em defesa da alienação

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI
Feita essa defesa da alienação, e apesar do meu pessimismo, torço mesmo para que as coisas se acalmem depois deste domingo, vocês possam parar de panfletar e voltem a se dedicar ao autoexibicionismo. Via Crusoé, a crônica semanal de Ruy Goiaba:


Eu não aguento, eu não aguento, diziam os Titãs. I can’t stand it anymore-more, dizia muito antes deles o Lou Reed, na época do Velvet Underground. “Intankável o Bostil”, dizem os xóvens de hoje — e aqui abro um travessão para vocês, seus velhos, ficarem sabendo que “tankar” é algo como “aguentar o tranco” em linguagem gamer. Toda essa introdução erudita é para dizer que não aguento mais as pessoas alteradas, louconas, surtadas e monomaníacas com o segundo turno das eleições: estou escrevendo este texto na quinta-feira, 27, três dias antes da data da votação (e, bem, contando que ela irá acontecer mesmo).

Imagine que você trabalha numa mina de carvão, chega em casa exausto e quer se distrair vendo alguma besteira na internet: clica nos stories do Instagram —você é um mineiro moderno — e só o que vê é gente morrendo de trabalhar em minas de carvão, um story após o outro, até o infinito. Fora o fato de que o jornalismo ainda é menos desgastante que trabalhar nas minas, essa é a sensação que tenho, como jornalista que cobre política, ao ver as pessoas falando apenas de política, 24/7, non-stop, como se os stories vistos por meia dúzia de três ou quatro no Insta tivessem algum poder de virar voto e salvar o Brasil (para ser justo: alguns sabem que não tem, só querem sinalizar que estão do lado certo mesmo). Assim vocês me obrigam a ler livros, como os neandertais!

“Você não sabe O QUE ESTÁ EM JOGO nesta eleição?”, perguntaria alguém, com essa caixa-alta dramática. Sei, sim, e jamais minimizaria a importância de um evento que vai definir o que será do Bananão nos próximos anos — para não repetir o fato de que ganho a vida trabalhando com o que está em jogo. No entanto, por mais que eu entenda plenamente as razões para isso, as pessoas estão tão alucinadas que passei a achar que teria sido melhor mesmo acabar no primeiro turno, nem que fosse o Eymael (um democrata cristão) com 50% + 1 dos votos, só para os surtados com política pararem de encher o saco. Longe de mim querer mandar no conteúdo das redes sociais alheias: meu despotismo esclarecido não chega a esse ponto. Mas quando é que vamos voltar ao normal?

Resposta: não vamos. Queria muito, muito mesmo, ser otimista como quem diz “ah, depois de domingo isso acaba”, mas temo que a hiperpolitização da vida no Brasil tenha chegado para ficar. Uma das novidades do pós-2013 no Bananão é o fato de “militante” não ser mais termo restrito ao PT e outros grupos à esquerda: hoje, sabemos que a direita bolsonarista consegue ser mais obcecada, mais burra e ainda mais chata que os militantes esquerdistas. Esse estado de coisas, essa conflagração, não deverá acabar depois do pleito, vença quem vencer.

E “tudo é político”, ainda que seja verdade em um sentido amplo, é um cenário de pesadelo: seres humanos precisam ter na vida espaços para respirar que não sejam contaminados pela maldita política, sobretudo a partidária (e não se engane: é à política partidária que se refere quase todo mundo que adora usar essa frase “tudo é político”). Precisamos de instantes de alienação para não enlouquecer. A rigor, todas as nossas indignações são “seletivas”: o mundo oferece a cada segundo excelentes razões para que os não sociopatas se indignem, mas qualquer ser humano explodiria de apoplexia em 30 segundos se se mantivesse em permanente estado de indignação com cada uma delas.

Feita essa defesa da alienação, e apesar do meu pessimismo, torço mesmo para que as coisas se acalmem depois deste domingo, vocês possam parar de panfletar e voltem a se dedicar ao autoexibicionismo. Um Bananão com mais gente pelada — ou, vá lá, em “trajes sumários” — será um país mais feliz.

*

A GOIABICE DA SEMANA

Foi instrutivo testemunhar, no domingo passado (23), o cavalo de pau das redes bolsonaristas, que tentavam emplacar Roberto Jefferson (logo quem) como “mártir da liberdade de expressão” até Jair Bolsonaro divulgar aquele vídeo dizendo que quem atira na polícia é bandido: foi um show de gente capotando ao fazer a curva. Parece que, na hora do “salve”, os petistas das redes ainda são mais disciplinados e cumprem melhor as ordens do líder, mas a carluxo-janonização de tudo é fenômeno irreversível. O Brasil, como sempre, tá lascado.

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AVISO DE FÉRIAS

A melhor parte (para mim) vem no final: vocês ficarão livres deste goiaba por algumas semanas. Volto na segunda quinzena de novembro, na hipótese de este nosso país tropical abençoado por Deus continuar existindo até lá. Au revoir!

Jefferson, um raríssimo caso de sujeito que sobreviveu depois de atirar na polícia

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