BLOG ORLANDO TAMBOSI
Feita
essa defesa da alienação, e apesar do meu pessimismo, torço mesmo para
que as coisas se acalmem depois deste domingo, vocês possam parar de
panfletar e voltem a se dedicar ao autoexibicionismo. Via Crusoé, a
crônica semanal de Ruy Goiaba:
Eu
não aguento, eu não aguento, diziam os Titãs. I can’t stand it
anymore-more, dizia muito antes deles o Lou Reed, na época do Velvet
Underground. “Intankável o Bostil”, dizem os xóvens de hoje — e aqui
abro um travessão para vocês, seus velhos, ficarem sabendo que “tankar” é
algo como “aguentar o tranco” em linguagem gamer. Toda essa introdução
erudita é para dizer que não aguento mais as pessoas alteradas,
louconas, surtadas e monomaníacas com o segundo turno das eleições:
estou escrevendo este texto na quinta-feira, 27, três dias antes da data
da votação (e, bem, contando que ela irá acontecer mesmo).
Imagine
que você trabalha numa mina de carvão, chega em casa exausto e quer se
distrair vendo alguma besteira na internet: clica nos stories do
Instagram —você é um mineiro moderno — e só o que vê é gente morrendo de
trabalhar em minas de carvão, um story após o outro, até o infinito.
Fora o fato de que o jornalismo ainda é menos desgastante que trabalhar
nas minas, essa é a sensação que tenho, como jornalista que cobre
política, ao ver as pessoas falando apenas de política, 24/7, non-stop,
como se os stories vistos por meia dúzia de três ou quatro no Insta
tivessem algum poder de virar voto e salvar o Brasil (para ser justo:
alguns sabem que não tem, só querem sinalizar que estão do lado certo
mesmo). Assim vocês me obrigam a ler livros, como os neandertais!
“Você
não sabe O QUE ESTÁ EM JOGO nesta eleição?”, perguntaria alguém, com
essa caixa-alta dramática. Sei, sim, e jamais minimizaria a importância
de um evento que vai definir o que será do Bananão nos próximos anos —
para não repetir o fato de que ganho a vida trabalhando com o que está
em jogo. No entanto, por mais que eu entenda plenamente as razões para
isso, as pessoas estão tão alucinadas que passei a achar que teria sido
melhor mesmo acabar no primeiro turno, nem que fosse o Eymael (um
democrata cristão) com 50% + 1 dos votos, só para os surtados com
política pararem de encher o saco. Longe de mim querer mandar no
conteúdo das redes sociais alheias: meu despotismo esclarecido não chega
a esse ponto. Mas quando é que vamos voltar ao normal?
Resposta:
não vamos. Queria muito, muito mesmo, ser otimista como quem diz “ah,
depois de domingo isso acaba”, mas temo que a hiperpolitização da vida
no Brasil tenha chegado para ficar. Uma das novidades do pós-2013 no
Bananão é o fato de “militante” não ser mais termo restrito ao PT e
outros grupos à esquerda: hoje, sabemos que a direita bolsonarista
consegue ser mais obcecada, mais burra e ainda mais chata que os
militantes esquerdistas. Esse estado de coisas, essa conflagração, não
deverá acabar depois do pleito, vença quem vencer.
E
“tudo é político”, ainda que seja verdade em um sentido amplo, é um
cenário de pesadelo: seres humanos precisam ter na vida espaços para
respirar que não sejam contaminados pela maldita política, sobretudo a
partidária (e não se engane: é à política partidária que se refere quase
todo mundo que adora usar essa frase “tudo é político”). Precisamos de
instantes de alienação para não enlouquecer. A rigor, todas as nossas
indignações são “seletivas”: o mundo oferece a cada segundo excelentes
razões para que os não sociopatas se indignem, mas qualquer ser humano
explodiria de apoplexia em 30 segundos se se mantivesse em permanente
estado de indignação com cada uma delas.
Feita
essa defesa da alienação, e apesar do meu pessimismo, torço mesmo para
que as coisas se acalmem depois deste domingo, vocês possam parar de
panfletar e voltem a se dedicar ao autoexibicionismo. Um Bananão com
mais gente pelada — ou, vá lá, em “trajes sumários” — será um país mais
feliz.
*
A GOIABICE DA SEMANA
Foi
instrutivo testemunhar, no domingo passado (23), o cavalo de pau das
redes bolsonaristas, que tentavam emplacar Roberto Jefferson (logo quem)
como “mártir da liberdade de expressão” até Jair Bolsonaro divulgar
aquele vídeo dizendo que quem atira na polícia é bandido: foi um show de
gente capotando ao fazer a curva. Parece que, na hora do “salve”, os
petistas das redes ainda são mais disciplinados e cumprem melhor as
ordens do líder, mas a carluxo-janonização de tudo é fenômeno
irreversível. O Brasil, como sempre, tá lascado.
*
AVISO DE FÉRIAS
A
melhor parte (para mim) vem no final: vocês ficarão livres deste goiaba
por algumas semanas. Volto na segunda quinzena de novembro, na hipótese
de este nosso país tropical abençoado por Deus continuar existindo até
lá. Au revoir!
Jefferson, um raríssimo caso de sujeito que sobreviveu depois de atirar na polícia
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