A formação superior universitária gera multidões de profissionais com conhecimento técnico específico, porém com fraca formação universal. Artigo do professor José Pio Martins para a Gazeta do Povo:
Certa
vez, eu lia sobre estratégia e planejamento aplicados à arte da guerra e
me deparei com a seguinte afirmação: “Estratégia e planejamento são
palavras que têm pelo menos duas dezenas de definições”. Fiquei
pensando: se uma palavra tem 20 definições, como escolher uma definição
que efetivamente explique o que a coisa é? Definir é dizer o que a coisa
é.
Há
anos participei de um grupo de estudos em Filosofia e Ciência Política e
vi o quanto é certa a afirmação de Friedrich Hayek: “Não é bom
economista quem é apenas economista”. Na sequência, fiz um curso de
Filosofia com vistas a preencher a lacuna citada por Hayek e constatei a
beleza e a profundidade das teorias, ideias e conhecimentos
proporcionados pelos grandes pensadores.
Entre
os maiores teóricos da Economia, muitos tinham sólida formação em
Filosofia; outros eram filósofos antes de se tornarem economistas, como
John Maynard Keynes, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Karl Marx e Adam
Smith. A Filosofia se dedica à investigação da dimensão essencial e
ontológica do mundo real e vai além da opinião irrefletida do senso
comum. A construção de saberes lógicos, racionais e sistemáticos a
partir de argumentos e conceitos para produzir conhecimento válido é um
objetivo da Filosofia e serve de base para o ensino superior.
Nesse
contexto, surge o problema dos cursos superiores, também chamados de
universitários, que hoje são basicamente profissionalizantes,
específicos e limitados a um dado ofício. A exigência de habilitar o
diplomado ao exercício profissional impôs à educação universitária a
limitação do número de disciplinas e os currículos passaram a se
concentrar nos temas ligados à profissão, sem fornecer conhecimentos
gerais de comunicação verbal e escrita, domínio da matemática,
raciocínio lógico, pensamento analítico e cultura social.
Às
vezes, a distância entre o conhecimento técnico especializado e os
conhecimentos de outras áreas é tão grande que reduz o profissional a
ser estreito e inapto, por exemplo, para cargos de liderança. O excesso
de especialização edificou um mundo de técnicos quase analfabetos
funcionais em temas importantes para a vida, como sociologia,
psicologia, direito, economia, política etc.
Essa
situação levou a uma espécie de crise da epistemologia, que á a teoria
do conhecimento, ou seja, como o conhecimento é pesquisado, obtido e
sistematizado. A formação superior universitária gera multidões de
profissionais com conhecimento técnico específico, porém com fraca
formação universal. A palavra “universitário” vem da ideia de
conhecimentos sobre as várias áreas da existência humana.
Além
disso, o Brasil foi além e piorou o quadro, ao criar os Cursos
Superiores de Tecnologia (também conhecidos como “tecnólogos”), que são
cursos focados em aplicação prática sem preocupação com teorias e
conhecimentos científicos, em geral feitos em um ano e meio ou dois
anos. A esses cursos foi concedido o grau de cursos universitários, com
todos os direitos que estes contêm.
Um
aluno que faça um “tecnólogo” de dois anos – por exemplo, curso de
Fotografia, Jogos Digitais, Marketing Digital, Gestão Comercial etc. –
tem diploma universitário e está autorizado a ir para um mestrado ou
doutorado. Esses cursos são bons e necessários, mas faltou regulação
eficiente. A solução dada pela Colômbia foi mais adequada, com a
separação de status e prerrogativas dos Cursos Superiores Tecnológicos e
dos Cursos Superiores Universitários.
Os
cursos universitários, segundo o critério da Colômbia, são exigidos
para o ingresso em mestrados e doutorados, por terem carga horária maior
e teorias científicas e conhecimentos de outras áreas, além da mera
técnica da profissão que o curso habilita. Já os “tecnólogos” satisfazem
as necessidades do mercado de trabalho, são considerados superiores
porque feitos após a conclusão do ensino médio, mas não têm o status de
cursos universitários.
De
qualquer forma, o destaque que quero deixar aqui é a constatação que o
excesso de especialização resultou em crise da epistemologia pela falta
de formação clássica, teorias científicas, alta cultura e estudo de
ciências humanas e sociais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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