No cenário católico, há um lugar para ser uma porção de coisas entre prostituta e freira. O Brasil não criminaliza a prostituição porque é um país de formação católica; Santo Agostinho via a prostituição como um mal necessário. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Em resumo, o que Gertrude Himmelfarb apontava
nos EUA é que o país passou de uma cultura hegemônica na qual todos
deviam ser castos para uma cultura hegemônica na qual todos devem ser
devassos. Segundo ela, que recorre a Smith, a uniformização dos costumes
decorre de uma condição material, que é a ausência de classes sociais
demarcadas. Sem classes sociais demarcadas, sem moral de pobre e moral
de rico bem demarcadas. No entanto, olhando em particular para a questão
dos costumes sexuais de cada indivíduo, creio que não dê para ter uma
explicação tão materialista assim. Vejamos: numa sociedade puritana,
protestante, não há um lugar nem para uma mulher disposta a transar com
vários homens, nem para uma mulher que não queira ter atividade sexual
nenhuma ao longo da vida. O certo é casar e ter filhos, uniformemente,
para todas as mulheres. Já no cenário católico, há um lugar para ser uma
porção de coisas entre prostituta e freira. O Brasil não criminaliza a
prostituição porque é um país de formação católica; Santo Agostinho via a
prostituição como um mal necessário.
Digamos
que a uniformização é uma marca cultural protestante, antes de ser uma
questão econômica. É claro que se podem apontar as diferenças econômicas
entre sociedades protestantes e católicas, mas aí cai-se facilmente na
questão do ovo versus a galinha. Nessa questão, fico com Weber: a ética
protestante veio antes das mudanças materiais do capitalismo. A cultura veio antes da matéria.
Mas, como víamos, essa contracultura uniformizadora se espalharia pela
cristandade ocidental, fosse ela católica ou protestante. Assim, se lá a
ordem foi todas deixarem de ser uniformemente carolas para serem
uniformemente prostitutas, por aqui a ordem é dupla: temos que passar
não só a ser prostitutas, mas a ser todas iguais. Essa pressão pela
igualdade se vê até na fisionomia das artistas pop, que fazem todo tipo
de “procedimento” para ficarem com as mesmas maçãs, o mesmo formato de
rosto, o mesmo nariz e os mesmos lábios. Salta aos olhos que a
uniformidade é levada ao extremo.
Escolhas uniformizadas
Recentemente,
traduzi dois textos indicados pelo editor sobre vício em pornografia.
Um dos textos, de um veículo dos EUA, trazia a polêmica de uma política
democrata que, perante estudos que mostram que os homens jovens de lá
estão transando menos, decidiu que o sexo era um direito e portanto a
prostituição deveria ser descriminalizada. A consequência do direito ao
sexo é a obrigação de outrem abrir as pernas, o que, em última análise, é
capaz de acarretar o direito ao estupro. (Digamos que um cliente
adquira tamanha má reputação que nenhuma prostituta queira atendê-lo. A
existir um direito ao sexo sanado por meio de prostitutas, das duas,
uma: ou o homem fica na mesma situação de um paciente do SUS com doença
rara que precisa de um remédio caríssimo, caso apareça uma prostituta
que aceite se submeter a ele por um preço muito alto, ou haverá o
direito ao estupro, caso nem mesmo uma prostituta assim apareça.)
Do
outro lado, uma conservadora alegava que a descriminalização da
prostituição levaria a uma alta na procura por prostitutas, que, por sua
vez, levaria a um aumento no tráfico de pessoas e na escravidão sexual.
Bem à americana, não falava “prostituta”, mas “pessoa prostituída”. O
politicamente correto e sua linguagem apassivadora são ambidestros por
lá.
Pois
bem: neste país que convive com a prostituição desde sempre, é muito
claro que existem prostitutas que são prostitutas porque querem – desde
as bem nascidas até as pobretonas –; que, mesmo que algumas tenham tido
mais escolhas do que outras, quase todas tiveram escolhas; e, se não
teve, é porque foi vítima de algum criminoso, provavelmente na
menoridade. No mais, toda a argumentação direcionada à proibição da
prostituição baseada na exploração (que é crime no Brasil) me desperta
muito ceticismo, pois poderia ser facilmente usada para proibir a
existência de canaviais. Aposto que é mais fácil encontrar um prostituta
com conforto financeiro e opções de mudar de trabalho do que um
cortador de cana. A prostituta podia pagar a faculdade (no tempo em que
diploma dava emprego) e mudar de vida; o cortador de cana não se
qualifica para nada enquanto corta cana.
Assim,
ambos os lados da questão presumiam que ninguém estava onde está por
escolha: que os homens estavam sem transar em função de suas próprias
escolhas, e que uma parcela de mulheres escolhe se prostituir. Que
fazer? Uniformizar: para uma, todos os homens têm que ser assistidos por
“trabalhadoras sexuais”; para outra, nenhuma mulher pode ser “pessoa
prostituída”.
Todos uniformemente pornôs
Mas
a reportagem tocou num assunto importante: a principal causa de os
homens jovens pararem de fazer sexo é o vício em pornografia. A
pornografia dá ao viciado uma excitação que ele não consegue alcançar
com sexo. Às vezes o viciado até arranja uma namorada, mas deixa-a na
mão. Ou – o que é pior – passa a tentar reproduzir as bizarrices vistas
na tela.
A
outra matéria que traduzi é mais interessante. Um veículo espanhol
relatava que as francesas fizeram um relatório sobre os males da
pornografia e pediam a criminalização da “indústria da pornografia” com
base nele. A ideia de proibir a pornografia também desperta o meu
ceticismo, sobretudo porque – como descobriram as senadoras – o problema
não é a pornografia de sempre, mas sim a pornografia atual.
Antigamente, os filmes pornôs tinham uma historinha que servia de
pretexto para as cenas de sexo explícito. Hoje, graças à invenção de
sites canadenses como o Pornhub e o Redtube, as pessoas têm acesso
grátis a pornografia, que, a seu turno, é produzido a custo zero. O
Pornhub ganha com o número de acessos. Assim, muita gente sobe vídeo
caseiro, que não tem historinha, e daqui a pouco, para se diferenciar de
outros vídeos caseiros, começam a fazer bizarrices. O cérebro se
acostuma a esse tipo de estímulo e o homem não consegue mais achar graça
em coisas normais.
Outro
problema, mais grave ainda, é que esses sites não são eficazes ao
proibir o acesso de crianças. Como a cultura progressista hegemônica é
obcecada por sexo, não é de admirar que crianças – de ambos os sexos –
procurem ver o que é sexo. França e Inglaterra se deram conta do
problema e descobriram outro: não dá para garantir o anonimato dos
maiores e vetar o acesso dos menores ao mesmo tempo. Perante esse
dilema, a Inglaterra não pensou duas vezes e decidiu sacrificar o
desenvolvimento mental das crianças para preservar o anonimato dos
tarados. Já a França segue numa batalha judicial com o Pornhub e
similares.
Boa
parte do trabalho das senadoras francesas só foi possível porque, entre
as produtoras pornôs antigas e os vídeos caseiros, surgiu um tipo de
produtora semiprofissional, que faz contratos de cessão de imagem para
vender o conteúdo aos sites. As mulheres estavam em fases vulneráveis de
suas vidas e os contratos, uma vez que existem, podem ser analisados e
considerados abusivos. Se fosse só vídeo amador, elas não teriam
documento algum. E se elas punirem as produtoras sem punirem os
amadores, todo o mundo vai virar amador – e foi justamente o amadorismo
da pornografia que abasteceu o Pornhub.
Digamos
que, lá nos anos 70, os casais descobrissem que poderiam se filmar
transando e entregar de graça o vídeo a uma produtora, que iria copiar e
distribuir a quem quisesse ver. Imagine-se explicando isso para a sua
avó: “vovó, todo o mundo pode ver você transando, basta filmar e
repassar!” A coisa parece mais uma ameaça do que uma oportunidade. O
vovô bem gostaria de ver umas fitas, mas entre gostar e dizer que gosta
há um abismo, e há ainda outro entre gostar de ver e gostar de ser
visto. No mundo dos nossos avós, havia espaço para atores pornô, porque
essa era uma profissão especializada a ser exercida por umas poucas
pessoas. No nosso, não: se todo o mundo é ator pornô, ninguém é ator
pornô.
O
que a França deveria fazer é dificultar o pornô amador e regulamentar
os contratos. Se tem uma área que deve ser segurada por meio da formação
de um monopólio relativamente improdutivo, é o da pornografia. É bom
para o usuário quando qualquer motorista pode fazer o trabalho de um
taxista, mas é decididamente ruim para ele quando qualquer um pode fazer
o trabalho de um ator pornô.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário