William Waack
Estadão
É difícil imaginar a três dias da decisão de domingo que o resultado das urnas “resolva” a disputa política. Ao contrário: a vitória de um lado vai apenas confirmar os piores “temores” e as “certezas” do outro. Se confirmado o favoritismo de Lula nas pesquisas, triunfa a interpretação da realidade de “trapaça” urdida por tribunais superiores focados em destruir Bolsonaro. E confirma-se a existência de uma “ditadura judicial” tal como percebida por 42% do eleitorado, segundo pesquisa da Atlas Intel.
Para substancial parcela do eleitorado, o combate às fake news com poderes ampliados do TSE não passa de imposição de censura. E seria apenas mais uma ferramenta no arsenal técnico-jurídico com que tribunais superiores atuaram em favor de uma candidatura – a de Lula.
SEM FATOS REAIS – A gravidade da situação em que estamos se traduz no fato de que não importa mais atestar ou não a veracidade do que possa comprovar ou desmentir a “parcialidade” dos tribunais superiores. A noção da interferência política do Supremo e do TSE está solidificada em parcela relevante da população, especialmente nas elites econômicas.
Trata-se de perversa consequência do fenômeno de transformação de tribunais superiores em instâncias que interferem na vida política e econômica tomando decisões políticas. “Ainda bem que foi assim, pois o Supremo nos salvou do pior na pandemia”, ponderam vozes de respeito no mundo do Direito.
Seja como for, a “deslegitimização” do Judiciário não é somente resultado de ação política de grupos antidemocráticos associados ao bolsonarismo raiz.
VERSÃO DE LULA – É processo de longo curso, que a atual disputa provavelmente colocou no patamar do irreversível.
E talvez ainda pior se Bolsonaro conseguir a reeleição, pois também na interpretação da realidade de Lula a Justiça serviu sobretudo para submetê-lo a injusto massacre no período da Lava Jato.
Exorbitâncias foram toleradas, contanto que servissem para tirar o PT do poder. Como são toleradas hoje – a aplicação temporária de censura prévia, por exemplo –, se essa “excepcionalidade” ajuda a demolir a máquina de propaganda do adversário.
BOLHAS HERMÉTICAS – A questão da atuação dos tribunais superiores é apenas um dos aspectos que evidenciam como visões de mundo moldaram e solidificaram “bolhas” herméticas ao contraditório. Há vários outros que não cabem neste texto.
Provavelmente vale para o Brasil o que a sociologia americana constatou nas eleições por lá: a adesão a uma “bolha” explicava tempos atrás menos de 30% do voto, hoje explica mais de 70%.
Assim, estão desaparecendo premissas para uma possível “concertación” pós-pleito. Não há acordo sequer sobre o que são fatos reais.a
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