Bolsonaro está caminhando por uma estrada cheia de armadilhas. Muitos dos seus ladrilhos são muito parecidos com aqueles que fizeram parte da estrada do desastre de Donald Trump. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Em
janeiro de 2020, o então presidente dos Estados Unidos estava em seu
melhor momento. A economia americana estava no auge e o povo estava
feliz. A reeleição estava garantida. Sem ter o que criticar com
consistência, seus opositores tentavam convencer o mundo de que Donald
Trump empurraria o mundo para uma catástrofe nuclear por ter autorizado
um bombardeio que matou no Iraque aquele que era o principal nome do
aparato de terrorismo de Estado promovido pelo Irã, o general Qasem
Soleimani.
Lá
do outro lado do mundo, na China, o vírus da Covid-19 ainda era um
desconhecido dos políticos (e estranhamente possivelmente também da
Inteligência). Veio a pandemia e com ela a sucessão de erros de Trump. O
primeiro deles foi desdenhar da peste em público, para alentar a base
histérica, e praticamente esconder o trabalho que ajudou o mundo a obter
as vacinas em tempo recorde.
Depois
veio o caso de George Floyd, vítima de omissão de socorro por parte de
um policial e que virou pretexto para tocar fogo nas ruas e emparedar
ainda mais o governo. Os Estados Unidos pegaram fogo. Já que o mundo não
ia acabar naquela tal guerra com o Irã, resolveram então tocar fogo nos
racistas, fascistas e na história.
Trump
parece que não havia entendido nada. Apertou o passo rumo ao abismo em
uma estrada pavimentada com esmero pelas teorias conspiratórias do QAnon
– uma evidente operação psicológica de origem estrangeira e
possivelmente estatal.
A
confusão entre verdades, hipóteses, mentiras deslavadas e manipulação
foi a receita que levou o presidente Trump a pisar em todas as cascas de
banana pelo caminho. A maior de todas foi o seu discurso derradeiro que
desaguou na marcha rumo ao Capitólio e a sua invasão – claramente
facilitada por alguém interessado no cenário de caos. Mas o que importa?
Trump
passou quatro anos de governo sendo chamado de fascista, nazista,
antidemocrático, golpista e qualquer outra coisa do gênero dos
xingamentos políticos possíveis. Aguentou bem. E para mostrar que estava
certo frente a seus críticos, dava passos mais largos ainda na estrada –
a mesma citada dois parágrafos atrás – rumo ao abismo.
O
presidente republicano foi derrotado, mas saiu gigantesco das eleições.
Com muito mais votos que na eleição anterior e como símbolo de um
movimento. Mas não entendeu nada. Preferiu se jogar no abismo de 6 de
janeiro, legitimando tudo aqui que diziam que ele era.
Trump
encolheu. Virou vexame. Há quem acredite que ele voltará à Casa Branca,
mas há muito mais gente disposta a enviá-lo para prisão. Nesta semana,
os movimentos no Congresso dos Estados Unidos mostraram que isso não é
uma teoria. A cada dia surgem novas peças (algumas bem questionáveis,
mas isso importa?) que servem para justificar o seu indiciamento.
Muitas
das loucuras de Trump e sua base furiosa foram reações a mais torpeza
do antitrumpismo gratuito. Eram desmerecidos. Desqualificados. Quase
desumanizados. Afinal, eram a cesta de deploráveis, como chegou a ser
definido por Hillary Clinton na campanha eleitoral. Trump e sua turma
eram feitos para apanhar, eram bons de cuspir.
No
Brasil, é gado. É assim que os bolsonaristas são chamados. E foi
banalizado. Com uma grande dose de boa vontade, pode-se dizer que a
ofensa tem como origem o comportamento bovino da base que segue o
berrante do líder. Mas, com uma gota de honestidade, é preciso
reconhecer que é a mais pura desumanização.
Todos
os grandes jornais e revistas brasileiros endossam isso. Os termos
aparecem em colunas, caricaturas e charges. Nesta semana, a Folha deu um
passo além e jogou as mulheres bolsonaristas na cesta dos deploráveis
de Trump. Fez uma série de analogias sobre a infelicidade sexual e
afetiva do grupo e pintou o presidente Jair Bolsonaro, com sua macheza
rudimentar, como uma espécie de consolo que preenche o vazio dessas
senhoras suburbanas e que dão duro em máquinas de costura, atrás de
balcões ou passando pano pelo chão.
Olhando para os Estados Unidos e para o Brasil, é impossível não ver semelhanças.
O
resultado da compostagem da intolerância disfarçada de defesa da
democracia é um ponto de fricção constante. Não pode ser chamado de
causa, mas é um dos maiores fatores da radicalização e da destruição da
civilidade.
Ao
assumir o antitrumpismo patológico, parte importante da sociedade
americana fechou os olhos para problemas reais que não foram enfrentados
para não alimentar a agenda dos deploráveis. Valendo-se deste silêncio,
a China avançou sobre o Ocidente em velocidade jamais vista. Os russos
transformaram Washington em um salão de festas, ora regando as pirraças
dos democratas, ora aplacando a carência afetiva republicana.
No
baile do caos, a América Latina se perdeu e a Europa parece ter ficado à
deriva. Vulnerável sob aspectos políticos, culturais e militares. É o
tal mundo em rearranjo que estamos vendo surgir.
No
Brasil, não foi e não é diferente. Há um ambiente de conflito
constante. O bolsonarismo reage raivoso e ressentido ao ambiente de
constante apedrejamento. É uma relação incorrigível. E para pisotear o
governo, foi feito no Brasil exatamente o que se registrou nos Estados
Unidos. E não falta quem se aproveite. A China se aproveitou disso.
Avançou, sob o silêncio do antibolsonarismo, mais do que nunca.
Bolsonaro
está caminhando por uma estrada cheia de armadilhas. Muitos dos seus
ladrilhos são muito parecidos com aqueles que fizeram parte da estrada
do desastre de Donald Trump. A impressão que fica é que o Brasil copia o
que há de pior e não faz o mínimo para não repetir os erros dos outros.
Ou como escreveu Mark Twain: “A história nunca se repete, mas rima”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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