por Cezar Feitoza e José Marques | Folhapress
Com a posse na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
em 16 de agosto, o ministro Alexandre de Moraes se vê entre expectativas
de melhorar a relação da corte com as Forças Armadas e, ao mesmo tempo,
demonstrar firmeza para evitar desinformação que tumultue o processo
eleitoral.
Ministros do TSE e generais do Alto Comando das Forças Armadas
acreditam que a boa relação entre Moraes e militares seja usada para a
reabertura do diálogo entre a corte e o Ministério da Defesa.
Um dos principais focos de Moraes será amenizar a crise entre o
tribunal e as Forças Armadas. O mal-estar tem se intensificado desde
maio, após o TSE rejeitar sugestões dos militares para alterar o
processo eleitoral deste ano.
Os vetos foram feitos enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL)
ampliava insinuações golpistas e ataques às urnas eletrônicas. Na
negativa, os técnicos do TSE disseram que os militares confundiram
conceitos e erraram cálculos ao apontar risco de inconformidade em
testes de integridade das urnas.
Apesar de ser um dos principais alvos de ataque de Bolsonaro, Moraes
tem um histórico mais próximo dos militares do que o atual presidente do
TSE, Edson Fachin.
Ele construiu sólido relacionamento com generais das Forças Armadas
nos períodos em que foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, na
gestão do ex-governador Geraldo Alckmin, e ministro da Justiça, no
governo Michel Temer.
No STF (Supremo Tribunal Federal), Moraes foi procurado por ministros
da Defesa do governo Bolsonaro para aparar arestas, enquanto o Palácio
do Planalto evitava contatos diretos com o ministro.
Em junho de 2020, em meio à crise causada pelo inquérito das fake
news, o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi até a
casa de Moraes, em São Paulo, para costurar uma pacificação entre os
Poderes.
Eles se conheceram durante as Olimpíadas de 2016. À época, Moraes era
ministro da Justiça, e Azevedo, comandante Militar do Leste. Azevedo
quase ocupou a diretoria-geral do TSE a convite de Moraes, mas desistiu
sob a alegação de "questões pessoais de saúde e familiares".
O general Paulo Sérgio Nogueira, atual ministro da Defesa, também
procurou o magistrado do STF em outubro de 2021, após assumir o cargo de
comandante do Exército. O movimento buscava reconstruir pontes depois
dos ataques feitos por Bolsonaro nas manifestações do 7 de Setembro.
Há cerca de três anos, Moraes escolheu a academia do Comando Militar do Planalto, em Brasília, para fazer musculação.
A rotina é a mesma até hoje: o ministro chega no início da manhã no
Setor Militar Urbano e faz os exercícios ao lado de soldados da ativa
antes de seguir para o trabalho nos tribunais.
Em conversa com parlamentares no último dia 13, Moraes disse que
segue em contato com militares das altas cúpulas das três Forças Armadas
para medir a temperatura da crise.
Segundo relatos feitos à Folha, o ministro ainda afirmou que, com
base nas conversas que mantêm, não vê risco de os militares respaldarem
um eventual golpe à democracia.
Ele também prometeu, porém, firmeza no combate às informações falsas
--que incluem o descrédito ao sistema eleitoral, muitas vezes reforçado
pelas Forças Armadas.
Moraes já apontou que seria "rápido e rigoroso" em relação a notícias fraudulentas que tratam das eleições e de candidatos.
Em decisões que tomou quando assumiu interinamente a presidência do
TSE, entre 2 e 17 de julho, foi rígido em relação a casos de fake news e
também em pedidos de políticos suspeitos de fraudes ou de
irregularidades com dinheiro público.
É o caso do pedido do PT para que fossem retiradas notícias
fraudulentas que relacionavam o partido e o ex-presidente Lula ao PCC.
Em pouco mais de 12 horas, o ministro determinou a remoção do conteúdo
de sites e de perfis de bolsonaristas em redes sociais.
Moraes também determinou a remoção de conteúdo falso do Telegram e do
Kwai que relacionavam Ciro Gomes (PDT) a facções criminosas. As duas
decisões sobre o candidato foram tomadas em dois e quatro dias após as
ações serem protocoladas.
O magistrado, no entanto, foi mais flexível em relação a acusações de
propaganda irregular antecipada. Moraes derrubou, por exemplo, decisão
do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) que determinava a
remoção de outdoors com mensagens favoráveis ao governador Rodrigo
Garcia (PSDB), pré-candidato à reeleição.
Os outdoors exibiam mensagens como "100% Paulista, Rodrigo governador" e "Gratidão ao governador Rodrigo Garcia".
"[Trata-se] de conteúdo que se restringe a agradecer o atual
governador, sem vinculação com as eleições, o que descaracteriza a
conotação eleitoral da mensagem, na linha da jurisprudência desta
corte", disse Moraes. "As mensagens parecem destituídas de viés
eleitoral, o que, por si só, descaracteriza o ilícito de propaganda
eleitoral irregular."
Na crise com o TSE no começo do ano, o ministro da Defesa, Paulo
Sérgio Nogueira, demorou um mês para responder ao órgão. Em ofício, ele
disse que os militares se sentiam desprestigiados pela corte na
discussão sobre transparência do sistema eleitoral.
"Até o momento, reitero, as Forças Armadas não se sentem devidamente
prestigiadas por atenderem ao honroso convite do TSE para integrar a CTE
[Comissão de Transparência das Eleições]", escreveu.
Aliados de Nogueira afirmaram à Folha que a manifestação do ministro
foi feita após a equipe do Comando de Defesa Cibernética, comandada pelo
general Heber Portella, se sentir ridicularizada pela resposta do TSE.
A expectativa de auxiliares do ministro da Defesa é que Moraes
aceite, no início da gestão, os pedidos para uma reunião entre técnicos
do TSE e das Forças Armadas.
O encontro é defendido por militares como a principal forma de
apresentar detalhadamente três sugestões tidas por eles como
fundamentais para aperfeiçoar o sistema eleitoral deste ano.
Atual presidente do TSE, Edson Fachin tem negado o pedido. Ele afirma
que o foro adequado para as discussões é a Comissão de Transparência
das Eleições. Nas reuniões do colegiado, no entanto, o representante das
Forças Armadas tem ficado em silêncio.
A aliados Fachin argumenta que não receberá os militares para não dar
tratamento diferenciado a eles. No Ministério da Defesa, a ação é vista
como uma forma de o presidente do TSE isolar as Forças Armadas, já que a
maioria da CTE é contrária às posições defendidas por Portella.
As três sugestões feitas pelas Forças Armadas são as seguintes:
Realizar o Teste de Integridade das urnas nas mesmas condições de
votação, incluindo o uso de biometria. Promover o TPS (Teste Público de
Segurança) no modelo de urna UE2020, que representa 39% do total de
urnas. Incentivar a realização de auditoria por outras entidades,
principalmente por partidos políticos, conforme prevê a legislação
eleitoral. O TSE já respondeu sobre as três sugestões apresentadas pelas
Forças Armadas na CTE. O Ministério da Defesa, no entanto, pede
especialmente uma mudança no teste de integridade das urnas eletrônicas,
para garantir que um possível "código malicioso" seja identificado.
Ao invés de realizar os testes nas sedes dos TREs (Tribunais
Regionais Eleitorais), as Forças Armadas pedem que as urnas sejam
avaliadas dentro das seções eleitorais, com o uso da biometria dos
eleitores.
Em documento obtido pela Folha, o TSE afirma que possíveis aperfeiçoamentos no teste são avaliados para as eleições de 2024.
"Tramita no TSE proposta de automação do teste de integridade, o que
pode vir a facilitar a mobilidade para que o teste seja executado nas
seções eleitorais, com eleitores reais, sendo necessário centrar
esforços na comunicação com o eleitor para que sejam mitigadas eventuais
incompreensões e receios sobre a preservação do sigilo do voto."
O Ministério da Defesa espera que as sugestões sejam analisadas por Moraes, que poderá encontrar um meio-termo, considerando as dificuldades técnicas de se alterar processos diante da proximidade da eleição.
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