BAHIA NOTICIAS
por Renata Galf / Paula Soprana | Folhapress
A eleição deste ano será a primeira com uma lei sobre violência política de gênero em vigor.
Aprovada no ano passado, a lei 14.192 estabelece que é crime
assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar uma candidata, com
menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou ainda à sua cor,
raça ou etnia. A lei também vale para mulheres que já ocupam cargos
eletivos
A punição é de até quatro anos de prisão e multa. Se a violência
ocorrer pela internet e em redes sociais, a pena pode chegar a seis
anos.
"A violência política está sendo considerada qualquer ação, conduta
ou omissão que impede ou tenha qualquer tipo de restrição para exercício
de direitos políticos femininos", diz a advogada eleitoral Samara
Castro.
A aprovação do crime de violência política de gênero foi muito
próxima à de outro crime do tipo, o de violência política, citado na lei
que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional em setembro do ano
passado. O movimento para endurecer as regras contra agressores foi
capitaneado pela bancada feminina no Congresso, que viu escalar os
episódios de ataques na política nos últimos anos e pressionou pela
aprovação de ambos.
Várias entidades passaram a monitorar de forma mais estruturada
ataques a mulheres depois do assassinato da vereadora Marielle Franco,
do PSOL, em 2018, crime que ainda está sob investigação.
"Temos um amadurecimento do debate público sobre o significado de
violência política de gênero, o que representa para a vida dessas
mulheres e como isso é ruim para a democracia", diz Natália Sant'Anna,
coordenadora de advocacy do Pacto pela Democracia -iniciativa que reúne
mais de 200 organizações da sociedade civil.
Na eleição de 2020, candidatas a prefeitas e vereadoras recebiam, em
média, 40 xingamentos no Twitter todos os dias, segundo pesquisa do
InternetLab e da revista AzMina. As ofensas faziam alusões aos seus
corpos, saúde mental, intelectualidade e moral.
No primeiro turno, a candidata mais ofendida foi Joice Hasselmann (à
época no PSL, hoje no PSDB), que concorria à Prefeitura de São Paulo.
Mais da metade dos xingamentos dirigidos a ela era de teor gordofóbico.
Erika Hilton (PSOL), primeira mulher trans do Legislativo paulistano,
foi a mais atacada do estado, com a palavra "nojenta" associada a ela
432 vezes, além ameaças físicas.
Raquel Branquinho, procuradora regional da República, coordena um
grupo de trabalho sobre o assunto no Ministério Público Eleitoral e atua
com casos desde o início do ano.
"As dificuldades passam primeiramente por preconceito, não apenas da
sociedade, mas dos próprios operadores de direito com esse tipo de
legislação, como aconteceu com a Lei Maria da Penha há muitos anos", diz
ela, que cita os que veem "uma legislação desnecessária".
Para Branquinho, um obstáculo para mulheres que exercem mandato no
Legislativo é quando a agressão parte de um colega e entende-se que a
conduta está protegida pela imunidade parlamentar. "Temos lutado também
neste campo para garantir que haja um entendimento condizente com a
finalidade da lei."
Além de capacitações, o grupo fez 15 representações de casos de
violência política e encaminhou para avaliação das Procuradorias
regionais. Também articulou para que elas tenham uma numeração
específica no sistema, facilitando o seu monitoramento. Até o momento,
três denúncias foram apresentadas com base no novo crime.
De acordo com o Instituto Marielle Franco, 8 a cada 10 candidatas
negras sofreram violência virtual no pleito de 2020. A amostra da
pesquisa foi de 142 mulheres negras.
Especialistas que monitoraram os comentários na internet na última
eleição destacam que o tratamento dado a homens é diferente, mais
direcionado a aspectos de competência e gestão. Já homens gays ou mais
velhos também são vítimas de preconceito.
Em casos que envolvem violência psicológica, pode haver dificuldade
para a própria vítima entender que é alvo de agressão. "Como dizer que a
mulher é escandalosa, descontrolada, esquizofrênica, doida. Isso se diz
para as mulheres em um ambiente em que você questiona a condição de ela
ser mulher, e não de disputa política, em que se faz um confronto
objetivo", diz a advogada eleitoral Marilda Silveira.
Além do crime de violência política contra a mulher, que consta no
Código Eleitoral, há o crime de violência política, que consta nos
crimes contra o Estado democrático de Direito. A pena é de três a seis
anos de prisão e multa e ele tem aplicação mais ampla.
Esse crime consiste em em restringir, impedir ou dificultar "o
exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo,
raça, cor, etnia ou religião", com emprego de violência física, sexual
ou psicológica.
A criação de dois crimes, um direcionado apenas a mulheres e outro
genérico, pode gerar conflito na disputa por competência processual
nesta eleição, de acordo com Fernando Neisser, advogado especialista em
direito eleitoral.
"Se uma mulher sofrer ataques que dificultem sua campanha será
possível, eventualmente, inferir dois crimes ao agressor. Não temos como
antever como a jurisprudência vai lidar com isso. Um crime será julgado
pela Justiça Eleitoral e o outro pela Justiça comum", diz.
Para Fernanda Martins, diretora no InternetLab, o maior ponto de
atenção do tema no pleito de 2022 deve estar na coibição de ataques na
internet. "Às vezes as pessoas agem como se a violência online fosse
menos importante do que a de outros ambientes. Mas ela é fundamental
para desdobramentos que também saem do meio digital", diz.
Os ataques nas redes costumam acontecer com grupos já historicamente
marginalizados. "Olhamos para 175 candidaturas em 2020 e percebemos que
quando se tratava de mulheres, o que estava em jogo eram comentários e
ofensas relacionadas aos seus corpos: se eram magras demais, gordas
demais, se tinham capacidade intelectual e capacidade de exercer aquele
cargo", afirma.
Entre as principais dificuldades para frear esse tipo de crime está a
agilidade das redes sociais em remover um conteúdo racista ou
identificar usuários que operam robôs.
A nova lei também incluiu determinações aos partidos políticos sobre o tema, como a adequação de seus estatutos.
Há quatro anos, foram eleitas 290 mulheres, o equivalente a 16% dos 1.790 postos em disputa, naquele ano.
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ENTENDA LEIS SOBRE VIOLÊNCIA POLÍTICA
O QUE É VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO?"
A lei brasileira considera a violência política contra a mulher "toda
ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou
restringir os direitos políticos da mulher".
A QUEM SE APLICA?
Apesar de não estar explícito na lei, especialistas entendem que será
levado em conta o gênero, não o sexo biológico, a fim de incluir
mulheres trans, as mais ameaçadas e desqualificadas no debate público. A
jurisprudência, nesse caso, deve seguir exemplo da determinação do STJ
(Superior Tribunal de Justiça) em relação à aplicação da Lei Maria da
Penha.
QUAL A DIFERENÇA QUANTO AO CRIME DE VIOLÊNCIA POLÍTICA?
Mais abrangente, ele não se aplica apenas a violência de gênero. O Código Penal considera violência política "restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".
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