Para a maioria dos brasileiros, o criminoso não é vítima, mas um indivíduo comum, capaz de exercer a livre escolha, inclusive a de se afundar na delinquência selvagem. Filipe Regueira de Oliveira para a Gazeta do Povo:
Qual
o papel do cidadão comum em uma democracia? O que justifica uma grande
meio de comunicação substituir os termos “assaltantes” ou “ladrões” por
“vulneráveis”? Como é possível um professor universitário afirmar que é a
favor do assalto?
Há
muito tempo, Ricardo Dip e Volney Moraes Jr, ex-desembargadores do
Tribunal de Justiça de São Paulo, denunciavam a ambiguidade com que
alguns intelectuais brasileiros definiam o papel do povo brasileiro no
espaço da cidadania.
Eles
perceberam que esses intelectuais costumavam ter grande consideração
com a vontade do povo brasileiro apenas quando essa vontade coincidia
com o que eles pensavam. Caso contrário, esse mesmo povo deixava de
ocupar posto respeitável no espaço do processo democrático para se
tornar um populacho de vingadores, bando de “paranoicos” sedentos de
sangue, um aglomerado de ignorantes que não possuem capacidade de
exercer qualquer papel no tracejar de políticas criminais, por ser tema
supostamente interdito ao cidadão comum e reservado apenas aos poucos
iluminados da intelligentsia brasileira.
Essa
ambiguidade de tratamento é evidenciada quando percebemos as frequentes
notas públicas de entidades não governamentais, integradas por
especialistas em segurança púbica, membros da academia e até
magistrados, disparando pesados ataques contra quaisquer projetos de lei
lançados no Congresso Nacional que busquem atender as aspirações
coletivas da maioria esmagadora do povo brasileiro em combater o
banditismo violento e o estado de impunidade que domina nosso país.
O
Congresso Nacional sabe, e sabe muito bem, o que o povo pensa a
respeito da segurança pública. Mais de 87% dos brasileiros defendem a
redução da maioridade penal. Três em cada quatro brasileiros acreditam
que a punição adequada para um estuprador seria a pena de prisão
perpétua. Diante do estado de violência desenfreada em que se encontra o
país, mais da metade já apoia a pena de morte, número que vem crescente
assustadoramente a cada ano.
Por
que, então, medidas práticas, reais, factíveis e menos drásticas, com
grande potencial de redução dos índices da criminalidade violenta e
forte apoio popular, como os projetos de lei que tratam da prisão em
segunda instância, da exigência de exame criminológico para progressão
de regime, da vedação de penas em meio aberto para criminosos dotados de
periculosidade, da redução da maioridade penal ou do fim das saídas
temporárias, por exemplo, não são aprovados no Congresso Nacional?
A
resposta pode estar no chamado “lobby da insegurança pública”. O termo
foi cunhado por Georges Fenech, ex-juiz de direito francês e autor de
diversos estudos criminológicos, que na década de 90 identificou no
Parlamento, na mídia e nas universidades de seu país, interesses ocultos
de determinados grupos que buscavam incentivar motins e pequenos
delitos de modo a fomentar a instabilidade social.
Esses
grupos, segundo Fenech, muito ativos na intelligentsia midiática, nos
meios políticos, judiciais, sindicais ou associativos, sustentavam que a
sociedade francesa era a única responsável pelos crimes praticados
pelos delinquentes porque ela própria gerava desigualdades sociais. Esta
corrente de pensamento único, que influenciou por algum tempo as
universidades francesas foi chamada por Fenech de “cultura da desculpa”,
uma espécie de desresponsabilização generalizada dos criminosos, que
segundo o autor, teve forte influência na França desde a década de 70
até o final do século XX.
No
entanto, passados os efeitos da segunda grande guerra, notou-se que
riqueza e abundância, além da expressiva melhora dos indicadores sociais
obtidos após a forte recuperação econômica da Europa ao final do século
XX, não vieram acompanhados da redução da criminalidade. Pelo
contrário, os números foram inversamente proporcionais. Na França, os
índices de crimes como estupros, roubos e homicídios cresceram
exponencialmente no período, demonstrando a deficiência das teses
criminológicas que apontavam a pobreza e o desemprego como principais
causas do aumento da delinquência violenta, teoria que no Brasil é
sustentada pela chamada “Criminologia Crítica”, “Radical”, “Marxista”,
ou “Nova Criminologia”, fortemente propagada e, ao que parece, dominante
nas universidades brasileiras.
Esse
é o motivo pelo qual as grandes democracias ocidentais, apesar da
abundância e riqueza econômicas, não renunciaram ao cárcere punitivo
como instrumento de controle da criminalidade, pelo contrário,
recrudesceram as penas repressivas a partir do final do século XX. A
reintrodução da prisão perpétua em 2015 no Código Penal Espanhol, as
penas relativamente indeterminadas em Portugal, as leis de tolerância
zero alemãs de 1998 contra os agressores sexuais e outros delinquentes
perigosos, a previsão de prisão permanente para criminosos violentos na
França e Itália, e, por fim, a manutenção da pena de morte até os dias
atuais em países como Japão e EUA, demonstram que todas as nações de
primeiro mundo possuem tratamento repressivo penal muito mais severo do
que o Brasil, recordista mundial em crimes violentos como feminicídio e
estupro.
Por
aqui, é de se questionar se parte desses intelectuais, assim como
ocorreu na França, não estão a esconder algum tipo de preconceito
ideológico contra o modelo econômico vigente, buscando fomentar e
perpetuar o caos da violência urbana. A criminalidade desenfreada seria o
preço a pagar pelas vítimas e por toda a “sociedade capitalista
opressora”, causadora das desigualdades sociais – ainda que as vítimas,
em sua grande maioria, sejam oriundas das camadas de baixa renda da
população. Ricos e pobres deveriam suportar o custo da criminalidade ao
mesmo nível que um acidente da estrada ou uma doença do capitalismo
moderno.
Para
buscar seu intento, ONG’s e entidades de classe – que não representam a
maioria da população – rotulam rapidamente de ineficientes, retrógadas,
até mesmo de maldosas e desumanas, quaisquer iniciativas que busquem
adotar mais rigidez no tratamento do banditismo violento, contando com
auxílio de parte da mídia engajada e da academia.
“Redução
da maioridade penal?”, pergunta o cidadão comum atormentado pela
violência. “Não resolve o crime”, responde o especialista. “E restringir
ou excluir regimes abertos para criminosos violentos e perigosos?”,
insiste o cidadão sofrido. ”Não diminui a violência”, responde o expert.
Aumentar as penas? Nem pensar!
Mas
então qual medida pode resolver então?A resposta dos intelectuais é de
que se trata de um problema complexo e que a solução também o é. Em
seguida, ao invés de oferecer medidas concretas para mitigar a violência
urbana, o penalista moderno passa a divagar sobre abstrações teóricas
soltando chavões como “educação”, “inteligência policial, “emprego”, em
um tautologismo enfadonho, sem nunca apontar soluções factíveis para o
cidadão comum, que junto com sua família, estão sofrendo – agora, neste
exato momento – as consequências da violência diária que tomou conta do
país.
Curiosamente,
talvez por sofrer na pele os efeitos da violência, o cidadão médio
brasileiro, apesar de bombardeado com tardo-modernas teses da
criminologia crítica através da grande mídia, já há muito superadas em
países como França, Espanha, Itália, Japão e Estados Unidos, não tem
sido receptivo a essas teorias, postulando tratamento cada vez mais
rígido e medidas efetivas tendentes a dissuadir e conter o criminoso
violento.
Para
maioria dos brasileiros, o criminoso não é vítima, e sim, um indivíduo
comum, capaz de exercer a livre escolha, incluindo a de se afundar na
delinquência selvagem. Curiosamente, as pesquisas de opinião apontam que
os integrantes das camadas menos favorecidas rechaçam ainda com mais
força quaisquer teorias que consideram a criminalidade como uma espécie
de redistribuição de bens em favor dos oprimidos. Eles são os que
clamam, ainda mais fortemente, por leis mais duras contra a
criminalidade violenta.
No
entanto, apesar de desmascarado o falso humanismo daqueles que veem na
criminalidade uma legítima forma de violência reparadora de injustiças
sociais – ou até mesmo uma lógica no assalto – é desconhecido o motivo
pelo qual o lobby da insegurança pública possui tão forte influência
sobre os integrantes do Congresso Nacional, ao ponto de desconsiderar as
reivindicações coletivas da verdadeira vítima da criminalidade
violenta: o cidadão comum brasileiro.
Filipe
Regueira de Oliveira, graduado em Direito, possui pós-graduação em
Direito Penal e Processual Penal e MBA em Segurança Pública. É promotor
de Justiça do Ministério Público de Pernambuco e autor do livro “O
Brasil prende demais? Reflexões sobre a prisão” pela editora EDA.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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