Depois do sucesso dos ataques aos pilares conceituais e a perversão de valores democráticos, as autocracias partiram para um novo tipo de ofensiva. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Em
2016, os russos espalharam a versão de que eles eram capazes de
intervir nas eleições dos Estados Unidos e convenceram o mundo. O
presidente Donald Trump teve a sua eleição colocada sob suspeita e até
hoje se discute a tal interferência russa na eleição. Ninguém sabe de
fato o real impacto dos memes e mentiras plantadas por Moscou. Mas isso
pouco importa. Se a Rússia logrou interferir ou não no processo
eleitoral americano, é um mero detalhe diante dos objetivos do arquiteto
da operação. Para Vladimir Putin, o plano é colocar em descrédito a
democracia e um de seus instrumentos mais visíveis, que são as eleições.
Putin
não buscou emporcalhar apenas as eleições dos Estados Unidos. Fez
questão de deixar rastros paquidérmicos no referendo do Brexit, em 2016,
e estimulou a ala separatista no referendo sobre a Catalunha, em 2017.
Assim como no caso americano, os russos não mudaram nada dentro das
urnas, mas dentro da cabeça das pessoas. A semente da desconfiança
minou, possivelmente de maneira irremediável, a confiança na democracia.
Assim
como o chinês Xi Jinping, Putin não está disposto a mudar a si e o seu
regime para se adequar às regras e modelos democráticos. Por causa
disso, eles trabalham para que o mundo se transforme em benefício deles.
Ou seja, ao invés de se adequarem, eles exportam instabilidade, medo e
desconfiança para, assim, moldar uma nova realidade que seja à imagem e
semelhança de suas autocracias.
Não
é por acaso que Xi escalou sua diplomacia e seus, vamos assim dizer,
prestadores de serviço para vender a tese de que a Democracia não é
rigidamente estabelecida e que pode ser moldada ao gosto do freguês.
Depois
do sucesso dos ataques aos pilares conceituais e a perversão de valores
democráticos, as autocracias partiram para um novo tipo de ofensiva. Em
agosto, o ditador Nicolás Maduro receberá contingentes militares da
Rússia, China e Irã para um exercício militar conjunto. Ações do tipo
são comuns, mas no caso em questão há um ineditismo sombrio. É a
primeira vez que o quarteto do caos Xi-Putin-Khamenei-Maduro atua, de
forma conjunta e sem nenhum tipo de dissimulação no hemisfério.
Seguindo
a mais pura tradição chavista, de gerar e financiar o caos e importar
instabilidade, Maduro abre as portas da Venezuela para dizer para os
Estados Unidos algo mais ou menos assim: “Vocês e a OTAN estão nas
franjas da Rússia e eu posso fazer com que os russos estejam aqui na
porta dos fundos de vocês”.
O
quarteto do caos estava esperando por isso há tempos. A invasão da
Venezuela, com que muitos opositores venezuelanos sonham desde 2019 e
graças a Deus nunca aconteceu, seria o pretexto para que essas forças se
instalassem de forma definitiva na região. Três anos depois, com um
Nicolás Maduro incólume no poder, as potências extrarregionais mostram
seus músculos na região. Não se instalam, mas mandam um sinal de que não
estamos longe o suficiente e que elas já estão por aqui. O exercício na
Venezuela parece fazer parte dessa normalização dessa presença. Além
dos exercícios na Venezuela, também haverá outros na Nicarágua de Daniel
Ortega.
O
avanço militar na região foi gradual e nada silencioso. Os russos
armaram Chávez até os dentes e consequentemente endividaram a Venezuela,
a ponto de o país perder o controle de parte importante de sua
indústria de petróleo.
Em
2019, a Rússia enviou para a fronteira da Venezuela com o Brasil
militares como um sinal de que se o agora enamorado governo de Jair
Bolsonaro se metesse com Maduro, teria que se entender com eles também.
Um ano antes, Maduro permitiu que um bombardeiro nuclear russo
aterrissasse no aeroporto de Caracas em uma exibição que pode ter ido
muito além, como sendo a primeira vez que armas nucleares estiveram em
solo sul-americano.
Em
fevereiro de 2020, o navio espião russo Yantar invadiu a área da Zona
de Exploração Exclusiva do Brasil. A embarcação singrou águas
territoriais brasileiras ocultamente por uma semana e, quando
identificada, ignorou as tentativas de contato das autoridades locais.
Embora não tenha sido propriamente ilegal, a ação russa foi considerada
injustificada, suspeita e em certa medida hostil. Tanto que a Marinha
teve que coordenar uma missão de reconhecimento para localizá-lo na
costa.
Os
exercícios militares de agosto serão, muito provavelmente, um teste
definitivo para identificar quão tolerante a região será com a presença
cada vez mais constante dessas tropas. A combinação de pressão
financeira por parte da China, do agravamento do caos com a disseminação
de desinformação por parte de Moscou e Teerã e da presença militar
desses atores pode levar a região para um ambiente de tensão constante
que terá como consequência não só a erosão da democracia, mas também uma
possível interrupção de décadas de paz entre as nações da região.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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