"Portugal para os portugueses. Nenhum estrangeiro mentalmente
equilibrado aguentaria isto mais do que um fim-de-semana. A apatia
perante os selvagens que mandam no país não é para todos os paladares".
Eis a crônica de Alberto Gonçalves, português
tão impiedoso e sarcástico quanto o nosso saudoso Nelson Rodrigues,
neste país de jornalismo pouco mais que miserável e metido, na academia,
a jornalismo literário:
Tomem lá uma anedota para descontrair. Conhecem a do cigano, do
cavalo e da deputada municipal do PAN na Moita? É gira: a senhora do PAN
criticou os maus-tratos dispensados aos cavalos por parte dos ciganos
da região. A assembleia acusou a senhora de “xenofobia”. O PAN forçou-a a
demitir-se. Os ciganos continuam a sobrecarregar os cavalos de trabalho
e pancada. Os cavalos continuam a sofrer. O PAN continua a ser o
partido que defende os bichos. E, desde que inspire uma boa indignação, a
xenofobia tem costas largas.
Parecendo que não, até por causa do significado das palavras e
doutras minudências, sempre é preferível que a xenofobia diga respeito à
aversão a estrangeiros, e que os crimes não se castiguem ou perdoem de
acordo com a “etnia” dos perpetradores. Os crimes variam. Os
estrangeiros são os do costume. Chegam aí exaustos, desorientados,
vindos de lugares remotos, exprimem-se em línguas diferentes, vestem
roupas esquisitas, exibem costumes estranhos, interpelam transeuntes com
pedidos inconvenientes, atafulham ruas e pracetas, vêem-se
frequentemente explorados por gente sem escrúpulos e, de brinde, acabam
insultados onde calha. Falo, é claro, dos turistas.
Há dias, a propósito do São João no Porto, o “Público” publicou um
artigo acerca do São João no Porto. É um artigo preguiçoso e mal
escrito, sem função ou tema, que se resume a meia dúzia de depoimentos
de feirantes em volta das vendas e da “tradição”. Entre os feirantes, um
vendedor de “pipocas vermelho garrido” queixa-se das modernices e, em
particular, do turismo. O “Público” aproveitou a deixa e elevou o drama a
título: “O São João do Porto já não é o que era? ‘Há turistas a mais’”.
Não importa que deixem dinheiro. Não importa que criem emprego. Não
importa que façam a exacta figura que fazemos quando visitamos os países
deles. Para boa parte da esquerda, uns pedaços da “direita” e inúmeros
indecisos, os turistas constituem uma praga atentatória da “vida
portuguesa”, a erradicar com urgência. Além disso, promovem um milagre:
em tempos de ofensa fácil e vigilância apertada, os turistas
concedem-nos a liberdade de ofender forasteiros com uma violência que o
PNR não ousaria dedicar a refugiados sírios. E, ao contrário do que
agora é moda, sem aborrecimentos profissionais, morais ou legais. Para
cúmulo, o ódio aos turistas encontra um alvo, ou cinco, literalmente em
cada esquina, enquanto o ódio do PNR a refugiados e afins se vê à rasca
para descobrir destinatários (excepto, talvez, nos aeroportos, a caminho
da Europa que lhes interessa). Aliás, convém evitar quaisquer confusões
com sentimentos de intolerância: se o sr. Trump não permite que as
populações integrais da Guatemala, El Salvador, Nicarágua e México
penetrem confortavelmente o Texas, o sr. Trump é fascista. Se desejarmos
enxotar 17 alemães do Chiado, somos patriotas. Em suma, descontados os
que chegam na penúria, que servem a demagogia e o escarcéu, os
estrangeiros são essencialmente desprezíveis e, em prol da higiene
pública, reclamam a acção das autoridades.
A boa notícia é que as autoridades já começaram a agir. Na pequena
escala, multiplicam as taxas, as taxinhas, os regulamentos, as
restrições, as coimas e o geral inferno burocrático que, grão a grão,
transformam as actividades ligadas ao turismo em suplícios que indivíduo
algum suportará. Ao nível “macro” (perdão), temos os benefícios fiscais
ou os 6500 euros que o Estado oferece aos emigrantes que regressem à
terrinha e contribuam para diluir a sujidade turística e afinar a pureza
da “portugalidade”. Apenas se estranha um pouco que, dado o fulgurante
sucesso económico dos drs. Costa e Centeno, os emigrantes necessitem de
incentivo material para voltar aqui. A acreditar nos peritos amestrados
do governo, a pujança de Portugal é tanta que os outrora foragidos da
“troika” deviam esgadanhar-se para alcançar Vilar Formoso. Pelos vistos,
não se esgadanham. E nem os incentivos convencem esses traidores.
Felizmente, há excepções. Decerto desiludido com a fraca resposta dos
emigrantes indiferenciados, o governo passou a apostar no regresso dos
especializados. Em particular, os funcionários do Estado Islâmico. É uma
ideia radiosa, a de recuperar “jihadistas” em fase indefinida das
respectivas carreiras. Trata-se de trabalhadores altamente motivados,
assíduos e dotados de competências raras nos sectores dos rebentamentos e
das decapitações. É verdade que não são muitos. Mas são muito
empenhados e propensos a provocar impacto junto dos que os rodeiam. Um
único terrorista (certificado) é capaz de, sozinho, eliminar
directamente dezenas de turistas e indirectamente afugentar milhares.
Portugal para os portugueses, pois – mesmo porque nenhum estrangeiro
mentalmente equilibrado aguentaria isto mais do que um fim-de-semana. A
apatia perante os selvagens que mandam no país não é para todos os
paladares. O que está a acontecer no prédio Coutinho, que
deliberadamente não invoquei para não chamar os selvagens pelo seu
autêntico nome, é um reles, bastante reles, exemplo do que acontece
diária, impune e discretamente entre o poder e um povo que se quer
orgulhosamente só. É uma sorte: um povo assim orgulhoso de enxovalhos
seria péssima companhia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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