Pena de Alexandrino exibe as contradições da Justiça
Angela Boldrini
Folha
A única coisa que Alexandrino de Alencar, ex-diretor da Odebrecht
Infraestrutura, e Keli Gomes da Silva, analfabeta e manicure, têm em
comum é o tempo de sentença: sete anos e meio. Ela, por furtar quatro
pacotes de fralda de um supermercado na Brasilândia, periferia de São
Paulo. Prejuízo de algo como R$ 150.
Ele, um dos 77 executivos da empreiteira que fechou acordo de delação
premiada no âmbito da Operação Lava Jato, por participar de esquema de
corrupção na Petrobras. Pagamento de propina, apenas no Brasil, de R$
1,9 bilhão, segundo confessou a própria empresa – valor 12,6 milhões de
vezes maior que as fraldas levadas por Keli.
Já a comerciante Romeia Pereira da Silva foi condenada a 34 anos de
prisão por receptação – crime de adquirir ou ocultar produto de origem
ilícita– por causa de nove toca-discos, encontrados em sua loja, chamada
“Sucauto”.
PRESA HÁ 8 ANOS – Romeia está presa há cerca de oito
anos, cinco e meio a mais do que cumprirá em regime fechado Marcelo
Odebrecht, ex-presidente da empreiteira homônima que também fechou
acordo de colaboração premiada na Lava Jato.
A similaridade na condenação, apesar da disparidade dos crimes, pode
ser explicada por diversos fatores, afirma a juíza e pesquisadora
Fernanda Afonso de Almeida, que tratou das diferenças de condenação
entre os chamados “crimes de colarinho branco” e os delitos patrimoniais
– como roubo e furto – em sua dissertação de mestrado na Faculdade de
Direito da USP, em 2012.
“Existe, por exemplo, uma distinção de tratamento das próprias leis,
com elementos como a ‘extinguibilidade’ da pena no caso de sonegação
fiscal para aqueles que devolvem o recurso”, afirma ela. “No caso do
furto, mesmo que a pessoa devolva o objeto, a pena permanece.”
RAZÃO “SOCIAL” – A juíza Fernanda Afonso de Almeida
afirma ainda que há uma razão social na diferença de condenações de
crimes tipicamente associados às classes altas, como a corrupção, e às
classes baixas, como o roubo.
O professor de direito da USP Mauricio Dieter endossa a afirmação.
“Da perspectiva social, é claro que um pessoa como a Romeia vai receber
uma pena mais alta, por uma série de questões”, diz ele.
“No caso dela, não tem acesso à melhor defesa, enquanto aquele que
comete o crime de colarinho branco normalmente tem acesso às melhores
defesas, vai às audiências de terno e gravata, os filhos estudam na
mesma escola que o juiz.”
TRATAMENTO JUSTO – Para Dieter, no entanto, essa
diferença não é necessariamente ruim. “Às vezes, se o rico tem um
tratamento justo, eu consigo articular isso a favor dos pobres”, afirma
ele. “O que não se pode fazer é querer socializar a injustiça.”
No caso dos executivos da Odebrecht, há ainda o fator da colaboração premiada, que reduz a pena.
Apesar disso, os delatores da empreiteira serão os que cumprirão
maior tempo atrás das grades – a sentença total de Marcelo Odebrecht é
de dez anos, divididos igualmente entre regime fechado, domiciliar
fechado, semiaberto e aberto.
REGIME DOMICILIAR – Alexandrino e Benedicto Junior,
ex-presidente a Construtora Norberto Odebrecht, ambos condenados a sete
anos e meio, já devem começar em regime domiciliar fechado. Keli, a
manicure, passou um ano em regime fechado e hoje cumpre pena no
semiaberto – no início de 2017, teve a pena reduzida em um ano após
apelação.
Os antecedentes criminais e o tipo de crime também podem influir na
pena de casos como o dela, que era reincidente em furto. A pena base no
caso de roubo impróprio é de quatro anos.
Almeida defende uma reforma no Código Penal para que se acertem as
diferenças, como por exemplo a extensão da extinção da pena para casos
de furto em que o objeto é devolvido. “Além disso, os crimes contra o
patrimônio são supervalorizados, e os de colarinho branco não fazem
parte dele, estão em leis esparsas”, afirma.