Palavra de guarda passa a ser considerada em processos por embriaguez.
MP defende medida e diz que condenação não sai com uma única prova.
Luciana de Oliveira
Do G1, em São Paulo
A Lei Seca está mais dura desde dezembro passado, mas somente na última terça-feira (29)
o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) detalhou as regras.
Foi reduzido o limite de álcool para o motorista ser multado por meio
do teste do bafômetro. E a opinião de um agente de trânsito ganhou mais
peso: agora tem valor de prova em um eventual processo criminal
envolvendo embriaguez ao volante.
Na resolução desta terça, o Contran indicou quais sinais devem ser
considerados por um policial ou agente de trânsito para confirmar que um
motorista bebeu (
veja na tabela abaixo).
O QUE O AGENTE DE TRÂNSITO VAI CONSIDERAR* |
APARÊNCIA |
sonolência, olhos vermelhos, vômito, soluços, desordem nas vestes e odor de álcool no hálito |
ATITUDE |
agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante, dispersão |
ORIENTAÇÃO E MEMÓRIA |
se o motorista sabe onde está, a data e a hora; se sabe o endereço e se lembra os atos cometidos. |
CAPACIDADE MOTORA E VERBAL |
dificuldade no equilíbrio e fala alterada. |
* resolução 432/13 do Contran |
Entre eles, há itens como "sonolência", "olhos vermelhos" e
"dificuldade de equilíbrio" até "desordem nas vestes" e "arrogância,
exaltação, ironia". É necessário constatar um conjunto de sinais, não
apenas um.
Com base no que vê e percebe, o agente poderá multar, reter a carteira
de habilitação e o veículo, mas liberar o motorista. Se ele tiver se
envolvido em acidente ou representar risco, poderá ser levado para a
delegacia.
O que muda na prática
Na prática, isso já era realizado quando o condutor se recusava a
passar pelo bafômetro mesmo apresentando sinais de embriaguez. "A
novidade é que agora [o relato do agente de trânsito] pode ser
considerado prova criminal", explica Maurício Salvadori, assessor do
centro de apoio operacional criminal do Ministério Público de São Paulo.
Antes a lei só considerava como prova o bafômetro ou o exame de sangue.
Com base nela, só no estado de São Paulo, de dezembro de 2010 até esta
terça, havia 7.310 processos cadastrados no sistema do MP envolvendo
embriaguez ao volante, considerando os concluídos e os ainda em
andamento.
Acreditamos no bom senso dos agentes de trânsito do país"
Aguinaldo Ribeiro, ministro das Cidades
O
ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, afirmou na última terça que
agentes de trânsito já estão sendo treinados para lidar com a norma, mas não deu detalhes. "Acreditamos no bom senso dos agentes de trânsito do país."
Critérios 'subjetivos'
Para Maurício Januzzi, presidente da comissão do sistema viário da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, os critérios para o
exame visual de um agente de trânsito "são altamente subjetivos" e o
relato do policial ou guarda pode ser uma prova frágil.
Ela seria derrubada mais facilmente na Justiça do que uma perícia, que
ocorre quando o motorista é levado a um médico legista, em geral no
Instituto Médico Legal da cidade, para exame clínico ou de sangue. "Uma
perícia só pode ser contestada com outra. Já o exame visual exame visual
é mais fácil de contestar", opina.
Uma perícia só pode ser contestada com outra. O exame visual é mais fácil de contestar"
Maurício Januzzi, da OAB-SP
O advogado acredita que a defesa poderá alegar que falta uma parte da
lei para que seja constituída a prova de embriaguez ao volante. "A lei
fala em limites de álcool [no ar ou no sangue] para configurar o crime.
Como comprovar esse limite [com o exame visual]?", questiona.
"A presidente Dilma perdeu uma grande oportunidade de ter colocado
tolerância zero na lei", diz Januzzi. "Aí não seria necessário comprovar
se passou ou não de um determinado limite. A partir do momento em que
estabelece limites, [a lei] diz que beber e dirigir é possível."
A Lei Seca agora estabelece que, a partir de 0,05 miligramas de álcool
por litro de ar soprado no bafômetro, o motorista pode ser multado por
infração gravíssima, no valor de R$ 1.915,40 e suspensão por 1 ano do
direito de dirigir. Acima de 0,34 mg/l de ar, é considerado crime e o
condutor pode ser preso. Para exame de sangue, qualquer quantidade
álcool permite a multa; a prisão pode ocorrer quando esse nível ficar
acima de 6 decigramas por litro.
Toda abordagem se baseia em critérios, não é absolutamente livre. E ele [o agente de trânsito] terá que fundamentar depois"
Mauricio Salvadori, do MP-SP
'Tem que fundamentar'
O promotor Salvadori, do MP-SP, discorda que a palavra do agente de
trânsito seja fraca ou que possa haver arbitrariedade. "Toda abordagem
policial se baseia em critérios, não é absolutamente livre. E ele terá
que fundamentar depois", explica.
"Isso [o relato do agente] vai passar por outros crivos, como o do
delegado, se houver a prisão, o do próprio Ministério Público, que vai
decidir abrir ou não um processo, e, se for o caso, de um juiz. Nenhum
processo é concluído com base em uma única prova."
Além disso, completa Salvadori, é permitida ampla defesa para o
motorista que for acusado de embriaguez, tanto para um processo
administrativo (multa e suspensão da CNH) quanto para um eventual
processo criminal. Para dar sua versão, o condutor pode ser valer do
próprio bafômetro ou de testemunhas.
Defesa do motorista
O médico Mauro Augusto Ribeiro, colaborador da Associação Brasileira de
Medicina de Tráfego (Abramet), diz que há outras situações em que uma
pessoa pode apresentar características como as que serão observadas
pelos agentes de trânsito para verificar embriaguez. "Evidentemente, [o
exame visual] tem um certo grau de subjetividade". "Mas é por isso que a
pessoa poderá exigir passar pelo bafômetro em seguida."
O próprio governo federal reconhece que as novas regras servirão como
estímulo para que as pessoas solicitem mais o teste bafômetro, que
alguns rejeitavam com base no direito de não produzirem provas com si
próprios. "Ele [o motorista] vai dizer que quer soprar para mostrar que
não está alcoolizado. Até se tiver com um nível menor de álcool, vai
fazer sair do crime e ir para infração", avalia o ministro das Cidades.
Caso a pessoa seja levada a uma delegacia, ela pode solicitar que seja
feito um exame com um perito. Esse procedimento não é "automático",
explica o promotor Salvadori. Só pode ser feito no IML ou hospital
referenciado e a pedido da autoridade policial ou da Justiça. Um exame
realizado laboratório comum não conta como contra-prova, alerta.
"Geralmente, o delegado vai convidar a fazer o exame", diz Salvadori.
A pena para quem for condenado por embriaguez ao volante é de detenção
de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo.