A ciência já descobriu que há três grupos diferentes de latidos, e que os cachorros podem, sim, tentar conversar com os donos
Aretha Yarak - VEJA.COM
Inteligência cognitiva: os cães conseguem inferir
situações e podem até mesmo modelar o latido para se comunicarem com os
donos
(Thinkstock)
Bebês aprendem a se comunicar por imitação. Ao prestar atenção nos
pais, copiam a fala, alimentação e diversas reações. Brian Hare,
antropólogo evolucionista americano e especialista em cognição animal,
acredita que isso não seja exclusividade dos humanos. Segundo ele, os
cachorros aprenderam a conviver com os homens da mesma maneira: imitando
e reagindo às ações do dono. Foi assim, por exemplo, que eles
aprenderam a latir mais e mais — entre os lobos, ancestrais do cão, o
latido representa apenas 3% de toda sua vocalização.
Em seu novo livro
The Genius of Dogs (
O Gênio dos Cães,
ainda sem edição em português), Hare reúne essa e outras descobertas
sobre a inteligência do animal. Entre elas, estão as habilidades
comunicativas do cão — milhares de anos de interação com os humanos
levaram ao desenvolvimento de três grandes grupos de latidos: os de
alerta, os para chamar a atenção e os para brincar. A sagacidade do
melhor amigo do homem não para por aí. Pesquisas recentes relatam que os
animais são ainda capazes de desenvolver novas nuances no latido — com
altura, duração e frequências diferentes —, para se expressar de maneira
mais eficaz.
A comunicação, no entanto, é apenas um dos modos pelos quais a
inteligência canina se expressa. Há ainda cães que se destacam pelo
ótimo raciocínio espacial e aqueles que são bons de memória, por
exemplo.
Linguagem canina — No que toca à comunicação, segundo
Hare, a inteligência do animal está focada em estabelecer a comunicação
com seu dono – assim como fazem os bebês humanos. Isso significa que o
cão pode variar o latido, o olhar e até sua movimentação se perceber que
está sendo compreendido — ou não. A ciência conseguiu identificar até o
momento três grandes grupos de latidos. “As pessoas são particularmente
boas em identificar um tipo de latido: aquele que o cachorro usa para
estranhos”, diz Hare.
A diferença entre os três tipos de latido está na altura, duração e
frequência com que cada um é feito. Em um estudo publicado no periódico
Journal of Comparative Psychology,
pesquisadores da Universidade da Califórnia descobriram com o uso de
espectrogramas (representação visual da frequência de um som) que os
latidos podem ser mais complexos do que se imaginava. De acordo com
Alexandre Rossi, zootecnista e um dos principais especialistas em
cognição de cachorros do Brasil, o latido que o cachorro usa contra
estranhos é mais grave e segue, normalmente, em uma sequência curta.
“Nesses latidos é como se houvesse uma mordida ao final”, diz. Quando o
cão quer brincar, o latido costuma ser mais espaçado e mais agudo. Já o
terceiro grupo, quando o cachorro quer chamar a atenção, se caracteriza
por latidos nem tão graves, nem tão agudos, mas com mais espaço entre
eles, do que os dois outros.
Em alguns casos, no entanto, o cachorro consegue criar outras variações
de latidos. Como fazer um som mais agudo, mais lento ou até
choramingar. Segundo Rossi, para desenvolver plenamente sua habilidade
de se comunicar, no entanto, o cão precisa de estímulo. Então, apenas
preste atenção no que o animal está querendo dizer. “Dizer que o
cachorro tem diferentes tipos de latir não quer dizer que ele é
inteligente”, diz Rossi. A inteligência estaria, na verdade, na
capacidade do cão em aprender novas maneiras de latir para conseguir
atenção. Em outras palavras, na sua flexibilidade — o contrário do
condicionamento.
Essa flexibilidade pode ser vista, por exemplo, em atividades
cotidianas. Como tem a percepção de saber se a pessoa está ou não
prestando atenção nele, o cachorro pode extrapolar coisas que ele
aprende que funciona. Pode ser o caso de quando o animal lambe o pote de
comida apenas por estar com fome, e o dono acaba dando comida para ele.
Se toda vez que mexer no seu pote, ele ganhar comida, o cachorro
entende que o sinal funcional “Ele começa a nos treinar”, diz Rossi.
No caso de animais que vivem em apartamento e são proibidos de latir, a
comunicação por gestos pode ser mais rica do que as sutilezas no
latido. Nesses casos, é comum que o cachorro tente outras maneiras de
ganhar atenção, como olhando repetidamente para o objeto que quer e para
o dono, ou indo e vindo na direção do que lhe é de interesse ou ainda
tocando com a pata. Além de tentar se expressar, o cão pode ainda
entender o que está sendo dito.
Em suas pesquisas, Brian Hare já havia notado que os cães também
conseguem entender os humanos. Além de identificar palavras (em alguns
casos decorar centenas delas) e de inferir situações, eles sabem ainda
fazer leitura corporal. Isso significa que ele sabe quando está sendo
observado, consegue ter empatia e pode copiar ações do dono, aprendendo a
resolver um problema espacial, por exemplo. Quando se aponta para
alguma direção, seja com o pé, com a mão ou mesmo com a cabeça, o animal
tem ainda inteligência suficiente para projetar o olhar em direção ao
que está sendo apontado — e não manter o olhar no dedo da pessoa.
Inteligência — Fundado em março de 2013 por Hare, o
Dognition é um projeto que pretende sistematizar o estudo sobre as
habilidades dos cachorros. Nele, o cachorro passa por uma bateria de
testes que identificam em quais situações sua cognição é mais apurada, e
em quais ele não é muito esperto. Os testes são de raciocínio, memória,
empatia, astúcia e comunicação. Ao fim da avaliação (que pode ser feita
pela internet com o pagamento de uma taxa), o dono recebe um relatório
com as habilidades do cão.
O projeto se propõe a levantar, pela primeira vez, um grande banco de
dados comparativos entre raças, gêneros e peso. “Ainda não se tem dados
suficiente sobre todas as raças para uma comparação entre elas, como
qual a mais inteligente”, diz Hare. Nas avaliações, os cachorros passam
por atividades simples. Um exemplo é o teste de memória. Nele, um pedaço
de petisco é escondido atrás de um objeto, tudo à vista do animal.
Passados mais de 10 segundos, o cão é solto e precisa se lembrar de onde
o alimento está. Antes do teste, condições como reconhecimento pelo
faro são eliminadas. Há cães que conseguem se lembrar... e outros que
nem se lembram mais que havia um petisco.