MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Realidade de Salvador já não combina com imaginário popular

Henrique Mendes A TARDE

  • Raul Spinassé | Ag. A TARDE
    Pelourinho revela contradições entre o potencial cultural e o abandono
Receita administrativa insuficiente, transporte público saturado, povo em conflito com a cidadania, orla e centro histórico abandonados. Os entraves que dificultam a vida em Salvador parecem não se encaixar nas características que formam o imaginário popular da capital da Bahia. Diante de tamanhos desacordos, A TARDE  identificou cinco grandes incoerências que podem caracterizar a metrópole baiana como a "capital das contradições".
Frente às incoerências apontadas, a reportagem ouviu críticas de leitores e apurou os planos do prefeito ACM Neto (DEM) para minimizar as incongruências percebidas em diversos segmentos públicos de Salvador. O posicionamento do democrata foi repassado à reportagem  por meio da assessoria de imprensa. Dentre algumas temáticas específicas, como o abandono do Centro Histórico e o caos no transporte público, o prefeito relata que pretende estimular a construção de moradias no Pelourinho e exigir a renovação da atual frota de ônibus por veículos climatizados.
Receita - As incoerências da capital começam pela oposição entre a dimensão populacional e a receita administrativa. Com quase três milhões de  habitantes, as terras soteropolitanas abrigam a terceira maior população entre os municípios brasileiros. Contraditoriamente,  entre as capitais, é a segunda com menor arrecadação per capita, segundo a Prefeitura. A arrecadação própria de Salvador prevista para 2013 está estimada em R$ 1,3 bilhão.
Diante da fragilidade da receita, ACM Neto relata que baixou uma série de medidas para cortar despesas e elevar a arrecadação do Executivo Municipal. Dentre as medidas anunciadas, está o contingenciamento de 25% do orçamento e o corte de gastos com pessoal. Neste contexto, Neto prepara um pacote de medidas tributárias com a pretensão de melhorar a arrecadação do município e reduzir a inadimplência e evasão fiscal.  O democrata não informa se o conjunto de medidas irá implicar  no aumento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano (IPTU) ou do Imposto Sobre Serviço(ISS).
A possibilidade de aumento de impostos incomoda a vendedora Viviane Santos, 30. Para ela, os problemas que envolvem a cidade seriam resolvidos se o dinheiro arrecadado fosse investido nas coisas certas. "Você acha que se o dinheiro do carnaval e da construção da Fonte Nova fosse investido nas favelas estaríamos vivendo tantos problemas? Não falta dinheiro, falta senso de responsabilidade dos gestores para investir no que é necessário", afirma.
Transporte - Segundo informações do Departamento de Trânsito da Bahia (Detran-BA), a frota de veículos de Salvador triplicou nos últimos 20 anos. Entre janeiro de 1992 e março de 2012, a cidade passou de 261 mil automóveis para 783 mil. Enquanto o fluxo de veículos na ruas só aumenta, Salvador continua sem um transporte público de massa alternativo aos ônibus e trens do subúrbio. Há mais de uma década em construção, o metrô tornou-se motivo de piada entre os soteropolitanos devido aos constantes atrasos das obras.
Sobre os problemas crônicos enfrentados no trânsito de Salvador, a intenção da prefeitura é repassar para o governo estadual toda a administração do metrô e dos trens, dedicando atenção exclusiva à melhoria dos ônibus. Partindo deste contexto, o democrata afirma que irá "renovar a frota e exigir dos empresários ônibus climatizados para melhor servir à população".
Enquanto os governos do Estado e do Município discutem saídas para o trânsito, a população se queixa dos engarrafamentos diários. O profissional autônomo Celso Martins, 64, por exemplo, tem adotado algumas estratégias para fugir do caos que Salvador enfrenta no trânsito. "Como trabalho de forma autônoma, saio de casa para o trabalho às 5h e volto antes das 16h. Assim, evito os horários de pico. Esse problema do trânsito ainda vai demorar de ser resolvido. Mesmo se o metrô tivesse funcionando, os problemas ainda persistiriam. Seis quilômetros de linha não ajudam em nada", aborda o autônomo.
Orla - Salvador também enfrenta um contraste relacionado à beleza das suas praias. Os problemas que envolvem a ausência ou má  oferta de segurança, infraestrutura, iluminação, limpeza e áreas de lazer evidenciam a degradação da orla da capital. Em 50 quilômetros de margem litorânea, percorridos bairro a bairro, é comum encontrar calçadões desgastados, desorganização de vendedores ambulantes, lixo nas areias e pontos de consumo de drogas.
Sobre a situação de abandono da orla, ACM Neto cita que abriu um canal de diálogo com a Justiça Federal para resolver os impasses relacionados à construção de barracas de praia,  proibidas desde as demolições ocorridas em 2010 , por meio de decisão judicial. "Outra prioridade é conceder incentivos para a atração de bares, restaurantes e hotéis na região da orla, ampliar calçadões, ciclovias e áreas de lazer', ressalta.
De imediato, entretanto, o que se destaca são as críticas dos banhistas. Moradora de Rondônia, Alíria Gomes relata que sempre vem a Salvador no verão. Nos últimos anos, entretanto, relata que tem encontrado as praias cada vez mais sujas e inseguras. "Por isso, prefiro ficar aqui no Porto da Barra. A praia é mais limpa e tranquila", relata.
Centro Histórico - O Centro Histórico de Salvador também enfrenta problemas relacionados à violência e abandono dos patrimônios culturais . De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis da Bahia (ABIH), 200 pontos comerciais fecharam as portas no últimos sete anos no Pelourinho, local reconhecido como Patrimônio  Histórico da Humanidade pela Unesco.
As vielas, que abrigam moradores de ruas e usuários de drogas, revelam sinais de abandono. Segundo o Ministério da Cultura (Minc), 70 dos 111 casarões que apresentam risco de desabamento no Pelourinho estão situados na área tombada pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O prefeito aborda  que tem como prioridade ajudar o Governo do Estado a requalificar o Centro Histórico. Para isso, ACM Neto promete instalar a primeira "prefeitura-bairro" da gestão no Pelourinho, como transferir boa parte dos órgãos da prefeitura para a localidade. Outra medida anunciada pelo gestor é o estímulo à construção de moradias na região. "Através de operações urbanas consorciadas, a prefeitura pretende atrair investimentos privados para a parte antiga da cidade, incluindo museus", relata.
Taxista há dez anos, Henrique Guimarães conta que o centro histórico acaba afastando moradores e turistas pela falta de infraestrutura (como a ausência de banheiros públicos) e segurança. " Canso de trazer turistas que nem descem do carro quando chegam aqui. A abordagem dos ambulantes é agressiva e não há atrativos culturais (como teatro de rua ou algo do tipo) que distraiam os visitantes durante a visita. É um turismo de foto e só", conta o taxista.
Povo - Além das oposições ligadas aos setores públicos, uma contradição marcante também envolve o povo da capital.  Embora reconhecidos internacionalmente pela receptividade e alegria, os moradores de Salvador parecem não cuidar da cidade e dos vizinhos. De  acordo com a Empresa de Limpeza Urbana (Limpurb), são recolhidos diariamente, em Salvador, cerca de 2.900 toneladas de resíduos orgânicos e 1.800 toneladas de sólidos (entulho). A maior parte destes resíduos é despejada em local inadequado.
No que diz respeito à poluição sonora, a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom) relata o registro de 68.912 denúncias em 2012. Do dia 1º de janeiro de 2013 até a última sexta, 18, já foram registradas 2.182 situações referentes ao barulho na capital baiana. Para estimular práticas de boa convivência, a prefeitura conta que pretende investir em campanhas de conscientização da população, em parceria com a sociedade civil organizada.
"Essa fama do morador (soteropolitano) ser receptivo é uma máscara. O que percebemos na cidade são as pessoas despejando lixo em locais inadequados, não cuidando do patrimônio. A prefeitura tem que fazer a parte dela, mas a população também tem seus deveres", argumenta a profissional Jaciane Fonseca, 33.

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