Os portugueses não são de exigências. A garantia da miséria já nos satisfaz. Por isso estamos satisfeitos, e não tarda estaremos ainda mais. Via Observador, a crônica semanal de Alberto Gonçalves:
Noto
que a balbúrdia no PS e no governo não deflagrou por causa do colapso
do SNS. Ou da falta de professores. Ou do curioso preço dos
combustíveis. Ou da inflação a galope. Ou da dívida pública em valores
sem precedentes. Ou da situação na Justiça. Ou do inferno fiscal. Ou da
produtividade de rastos. Ou da imigração dos qualificados. Ou da pobreza
que alastra. Ou da crescente restrição dos direitos civis. Ou de
qualquer dos resultados inevitáveis de uma visão estatista, arcaica,
opressora e, em suma, socialista do mundo.
Não,
senhor. Com tudo a desabar em redor, os senhores do PS e do governo
andam à bulha por causa do aeroporto de Lisboa. Ou de três aeroportos de
Lisboa, quatro se incluirmos o de Beja, que a capital tem as costas e
as fronteiras largas. E mesmo o pretexto do aeroporto não se prendeu com
divergências acerca da necessidade de poupar ou torrar desenfreadamente
o dinheiro dos contribuintes: a zanga deveu-se a minúcias hierárquicas,
para cúmulo antigas, que opõem o chefe do bando ao moço que sonha ser
chefe no lugar do chefe. Há qualquer coisa de simbólico no pormenor de
nem na luta partidária essa gente recorrer a uma razão urgente,
relevante e sobretudo digna. O dr. Costa e o jovem Pedro não se pegaram
por discordarem quanto ao desastroso rumo do país. Como é hábito, mantêm
o rumo, ignoram o desastre e servem-se do país para potenciar os
próprios destinos. O desprezo deles pela vida da ralé é tão impune que
não tentam disfarçá-lo, e tão evidente que não conseguiriam fazê-lo.
É
claro que o jovem Pedro não avançou com os aeroportos para solucionar
com rapidez um drama nacional, mas para exibir o que ele julga ser
capacidade de liderança. E é claro que Costa não o desautorizou por
achar a solução prejudicial (e o gesto chanfrado), mas por ter sido
anunciada à revelia da sua excelsa pessoa. A circunstância de ninguém
acabar demitido prova que gozar connosco é bastante menos decisivo que o
braço-de-ferro entre dois rústicos. E prova que o carácter de ambos os
rústicos é o que é. Se o dr. Costa valorizasse, um pingo que fosse, o
famoso “interesse público”, não podia deixar de demitir um ministro que,
com uma dose de candura raramente vista fora do jardim-escola, agita
sozinho um “investimento” de milhares de milhões a fim de se mostrar
homem. O dr. Costa não lamentou a infantilidade: aproveitou-a para
tentar ganhar pontos numa rixa sem vergonha. Na desgraçada situação em
que estamos, e nas mãos de criaturas que apenas agravam a situação, o
único ponto que os portugueses arriscam ganhar é o final.
Não
tenciono gastar dez segundos com as “estratégias”, os “avanços”, os
“recuos”, os lucros e as perdas de semelhantes portentos. No fundo,
distinguir as “personalidades” em questão implicaria a utilização de
pacómetro digital. E seria inútil. Os Costas, os Pedros, as Martas, os
Fernandos, as Marianas, os Cabritas, as Anas Catarinas e o que calha são
na essência indistinguíveis, videirinhos sem história ou interesse.
Analisar os rituais do poder socialista é elevar essa gente a um
estatuto que não merece. Quando trogloditas desatam ao murro num estádio
da bola não nos pomos a avaliar a qualidade dos golpes infligidos pelo
Zé Camolas, o carisma do Tó Orelhas e a esfera de influência do Fábio
Naifas. Espera-se, com enfado e repulsa, que a autoridade intervenha. O
problema é que aqui a autoridade é o PS, que suscita muito mais danos
que a excitação dos “hooligans”. E é um problema grave. Com a discutível
excepção do posto de arrumador numa rua com pouco trânsito, nenhum
desses espécimes deveria ocupar cargos de responsabilidade.
Infelizmente, por falta de oposição, de escrutínio, de sorte e de juízo
os espécimes mandam nisto. As consequências são óbvias – e ilimitadas.
Insisto
que não vou esmiuçar “estratégias”: um primeiro-ministro com
descaramento suficiente para poupar o Cabrita dos bólides e a Marta do
hino da CGTP não enxotaria o jovem Pedro por esconder os guaches,
perdão, os aeroportos da turma. No governo cabe tudo, na medida em que
nada o penaliza. Os socialistas, cegos de cobiça, não têm escrúpulos.
Mancos de liberdade, os eleitores não têm noção. Lembro que a rábula do
jovem Pedro terminou com um pedido de desculpas – alegadamente ao dr.
Costa, certamente não aos portugueses. É natural. Os portugueses não são
de exigências. A garantia da miséria já nos satisfaz. Por isso estamos
satisfeitos, e não tarda estaremos ainda mais.
Agora
há que seguir em frente. Acima de minudências como a sobrevivência do
país, de resto comprometida, talvez sem retorno, o fundamental é a
estabilidade política (cito Sua Excelência, o Senhor Presidente da
República). Afinal, erros de comunicação acontecem. Neste manicómio em
formato de Portugal, o que é que não acontece?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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