A
gora, Putin deu uma espécie de título de nobreza ao Shampanskoye. Vilma Gryzinski:
gora, Putin deu uma espécie de título de nobreza ao Shampanskoye. Vilma Gryzinski:
Nada como o poder absoluto para gerar decretos que entram para a história pelo exagero e pelo ridículo.
Um
pequeno mas ilustrativo exemplo aconteceu na sexta-feira, quando
Vladimir Putin decidiu estender o manto do protecionismo sobre o
Shampanskoye. Desde então, oficialmente só se pode chamar de champanhe o
vinho espumante feito na Rússia.
Para
suprema humilhação dos franceses, que lutam no mundo inteiro para que
champanhe só possa ser uma designação dada aos vinhos borbulhantes
feitos na região de Champanhe, seu produto passou a ter a palavra
obrigatória “espumante” no rótulo.
A
resistência francesa durou menos de 48 horas. Depois de ameaçar
suspender as vendas, a Moët Henessy, braço do gigantesco conglomerado de
produtos de luxo LVMH, assinou a rendição. Informou que “sempre
respeitou as leis dos países onde opera” e que as vendas seriam
retomadas “assim que fosse possível fazer as mudanças de rotulação”.
Assim,
uma canetada autoritária de Putin enterrou uma batalha de muitas
décadas em defesa da Denominação de Origem Controlada exclusiva para os
360 produtores de champanhe da região de Champanhe, onde as uvas pinot
noir, meunier e chardonay, alimentadas pela composição única do solo e o
clima perfeito para dele arrancar o melhor, criam o produto que levou o
monge dom Pérignon a chamar correndo os outros religiosos do mosteiro
onde as borbulhas vieram ao mundo: “Venham depressa, estou sentido o
gosto de estrelas”.
A
lenda hoje anda desacreditada, mas o vinho estrelado movimenta 5
bilhões de dólares por ano, um pouco mais da metade em exportações.
Mais
de 120 países reconhecem que champanhe tem que ser de Champanhe. Os
outros são espumantes ou frisantes. A Rússia nunca deu muita bola para
essa exigência, mas a virada de mesa agora cria uma situação absurda.
O
correspondente do Le Monde em Moscou disse que a canetada em favor dos
produtores locais é especialmente positiva para um amigo de Putin, o
banqueiro Yuri Kovaltchuk, que produz um espumante chamado Novy Svet na
Crimeia, a península que pertencia à Ucrânia e foi anexada pela Rússia
em 2014, no mais ostensivo ato do neoimperialismo sob a égide de Putin.
Os
espumantes consumidos na Rússia já estão na segunda encarnação. Antes,
eram provenientes, em grande parte, da Geórgia, uma ex-república
soviética que se tornou independente e tem péssimas relações com a
Rússia.
Josef
Stálin era da Geórgia e foi por um capricho seu que o vinho espumante
local se transformou no “champanhe soviético” – ele queria usar como
instrumento de propaganda a popularização de um produto de luxo.
Para
permitir a produção em larga escala, o método francês da fermentação em
garrafas foi substituído por tanques pressurizados, diminuindo o tempo
de maturação de três anos para um mês.
Vinhedos,
vinícolas e depósitos – muitos destruídos durante a revolução como
símbolos do domínio burguês – foram expandidos pelo sistema de
planejamento central rígido. Os diretores que não cumprissem as metas de
produção corriam o risco de ser rotulados como inimigos do povo, com as
conhecidas e tétricas consequências.
A
beberagem adocicada, “batizada” com substâncias conservantes, se tornou
conhecida como Sovetskoye Shampanskoye. Durante as décadas soviéticas,
tornou-se o terror de visitantes oficiais, submetidos a brindes com o
champanhe georgiano.
Agora, Putin deu uma espécie de título de nobreza ao Shampanskoye.
Detalhe: fora da esfera dessas ocasiões oficiais, onde os brindes são obrigatórios, ele não bebe.
Mas
já disse que quando se viesse a se aposentar, hipótese difícil para
quem já se garantiu a vitaliciedade no poder, gostaria de trabalhar na
vinícola Abrau-Dyurso, propriedade de outro amigo, o líder empresarial
Boris Titov. As ações da empresa chegaram a subir mais de 7% depois da
canetada da sexta-feira. Dá para abrir vários espumantes.
blog ORLANDO TAMBOSI
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