Centrão negocia com Bolsonaro e Lula, ao mesmo tempo, para preservar o controle sobre um terço do Congresso, e continuar onde sempre esteve, no centro poder, escreve José Casado no Globo:
Centrão
é o apelido dado a um aglomerado de interesses parlamentares
consolidado em bancadas regionais. Não tem endereço, CNPJ, CPF, placa ou
telefone. Não é de direita, de centro ou de esquerda. É dono de cerca
de um terço dos votos no Congresso. Alia-se a qualquer governo, na
medida do acesso que recebe ao orçamento e aos cargos-chave na
administração pública.
Jair
Bolsonaro diz estar “entregando a alma” do seu governo a essa massa
política disforme, conhecida como Centrão, ao nomear o senador Ciro
Nogueira, do PP do Piauí, para a chefia da Casa Civil. É recomendável
acreditar no presidente, ressalvada a caracterização de uma ação ainda
em desenvolvimento. Jogador de palavras cruzadas, ele sabe o significado
de gerúndio (“entregando”).
Na
vida real, como reconhece, Bolsonaro é “do Centrão”. Foi e continua
sendo um representante da extrema-direita, integrante do baixo clero
durante 28 anos como deputado federal, na maior parte do tempo militante
do Progressistas (PP), o motor do grupo parlamentar.
Em
2005, por exemplo, ele e Ciro Nogueira, hoje presidente do PP e novo
chefe da Casa Civil, trabalharam juntos como auxiliares do deputado
Severino Cavalcanti (PP-PE) na eleição para a presidência da Câmara.
O
governo Lula apostava nas fluidas relações com esse aglomerado
partidário para eleger seu candidato, o então deputado Luiz Eduardo
Greenhalgh. Severino ganhou e tentou fazer Ciro ministro das
Comunicações, Lula titubeou, mas acabou rejeitando-o. Pouco depois,
revelou-se que a fluidez das relações do governo do PT com os partidos
do Centrão era garantida por um aditivo, conhecido como Mensalão.
Década
e meia depois, Bolsonaro e Centrão governam juntos. Consolidam uma
aliança política que se mostrou utilitária para ambos nos últimos 30
meses — à margem das frações bolsonaristas, cada vez mais isoladas em
diferentes partidos. Não significa que a reeleição de Bolsonaro seja
prioridade. Para o grupo, sobretudo o PP, relevante é a eleição
parlamentar.
As relações com Bolsonaro nunca estiveram tão fluidas. Ele aceitou até transferir poder sobre uma fatia expressiva do orçamento.
Abriram uma conta orçamentária especial Orçamento (código RP-9) para
despesas definidas por Ciro Nogueira, Arthur Lira, presidente da Câmara,
e outros líderes do agrupamento partidário. Em 2020 foram R$ 19,7
bilhões nessa rubrica. Para este ano estão previstos R$ 17,5 bilhões.
Até dezembro definem o gasto para 2022, ano de eleições gerais. É tudo
por ofício, direto aos ministérios, numa espécie de ordem de pagamento.
Sem transparência.
Observa-se,
ao mesmo tempo, um esforço discreto de Lula com líderes do Centrão. O
ex-presidente decidiu não o considerar um bloco, oposto do que faz
Bolsonaro. Há meses conversa separadamente com personagens influentes do
grupo. Sem orçamento, joga com a perspectiva de poder desenhada nas
pesquisas eleitorais. É o que possui no momento.
O
Centrão negocia com Bolsonaro e Lula, ao mesmo tempo, focado no aumento
das bancadas partidárias na eleição do próximo ano. Não importa quem
venha ser eleito presidente, para esse agrupamento disforme, o relevante
é para preservar (ou ampliar) o controle sobre um terço do Congresso — e
continuar onde sempre esteve, no centro poder.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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