Nos anos 90 a construção europeia era sobretudo liberalizante. Eram projetos políticos alinhados com o ar do tempo. Os de agora também são, mas o ar do tempo é outro, bem mais estatista e centralista. Henrique Burnay para o Observador:
Uma
crise das dívidas soberanas que consolidou a regra de que uma união
económica exige mais integração e maior fiscalização das políticas
nacionais, uma resposta à pandemia que exigiu maior intervenção do
Estado, suspensão das regras do défice e da concorrência e que agora
deixa raízes, e uma revolução industrial e económica desenhada a partir
do poder político. Há uma pressão centralista e estatista a atravessar a
Europa, e da esquerda à direita há pouca vontade de resistir.
Entre
muitas outras coisas, a crise das dívidas soberanas da década passada
serviu para estabilizar duas ideias entre os dirigentes europeus: a
incompatibilidade de uma moeda única com políticas orçamentais
divergentes, e a necessidade de os Estados se vigiarem uns aos outros
(sobretudo certos uns a certos outros), ou serem vigiados pela Comissão
Europeia, na definição e execução das políticas orçamentais. Por
gastarem demais, com certeza, mas também para evitar que gastem mal. O
que coloca em causa tanto a decisão de ter ou não equilíbrio orçamental
como a escolha de prioridades políticas. O argumento da viabilidade da
moeda única é compreensível, mas o efeito prático é uma limitação das
escolhas políticas nacionais.
Entretanto,
no último ano e meio houve flexibilização das regras orçamentais e
criação de uma espécie de dívida comum para financiar os planos de
recuperação e resiliência. Isso pode ter abalado a ideia central da
política orçamental Europeia dos últimos anos, havendo hoje uma tensão
entre os que insistem no regresso à responsabilidade e equilíbrio
orçamental e os entusiastas de mais despesa pública e dos défices, mas
não pôs em causa aquelas duas ideias. Pelo contrário, reforçou-as.
A
pandemia reforçou ainda a ideia da importância do Estado noutra
perspectiva. Era óbvio que uma situação extraordinária implica o recurso
ao Estado como instrumento de resposta da comunidade. Mas em vez de
pensar que isso é tão excepcional como precisar de um poder central
forte e de um orçamento militar reforçado em tempo de guerra,
espalhou-se a ideia de que hoje foi na saúde, mas amanhã será noutro
tema qualquer. O importante é garantir que o Estado tem capacidade de
intervir e prestar serviços, dizem os governos. E fazê-lo em coordenação
Europeia, diz a Comissão e o Parlamento. Ambos concluem, portanto, que
são necessários mais orçamento e áreas de intervenção de políticas
públicas europeias e nacionais. A excepção fundamenta a norma. E o custo
associado acelerou o acordo para vir a cobrar mais impostos às
multinacionais, de que os grandes países como a Alemanha ou os Estados
Unidos da América verdadeiramente beneficiarão.
Por
último, muito antes da pandemia começar, logo no início do seu mandato,
Úrsula von Der Leyen anunciou o combate às alterações climáticas como
uma estratégia económica da Europa. Chegar primeiro à neutralidade
carbónica liderando as tecnologias e indústrias do que há-de ser a
economia verde do futuro. Para fazê-lo foram anunciadas há dias
propostas legislativas e políticas que alteram a forma como produzimos e
consumimos, fazemos agricultura e viajamos, taxamos ou impedimos
importações. Independentemente da discussão sobre a necessidade e
utilidade, sobre a bondade de umas ou outras medidas, a constatação de
que esta será uma revolução económica desenhada a partir do centro
político é ostensiva.
Nos
anos 90, a construção europeia era fundamentalmente liberalizante.
Criar um mercado interno tão grande e competitivo quanto possível e
integrar as economias comunistas de leste, estabelecendo a vitória do
Ocidente e das suas ideias. Eram projectos políticos alinhados com o ar
do tempo. Os de agora também são, mas o ar do tempo é outro, muito mais
estatista e centralista. Ao capitalismo de Estado da China, o Ocidente
(os Estados Unidos de Biden e Trump nisso não são substancialmente
diferentes) contrapõe uma eco-economia que pede mais Estado e um Estado
mais forte. E quem se opõe, à direita, não é menos centralista ou
estatista. Basta olhar, para dentro, para a Hungria ou para Le Pen, ou
para fora, para o Reino Unido de Boris Johnson. Mais Estado está na
moda.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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