Disputar a supremacia em todos os campos é a ordem para a diplomacia chinesa, mas bate no ridículo denunciar foto “feia” de medalhista. Vilma Gryzinski:
Os
diplomatas chineses são hoje formados para assumir o papel de “lobos
guerreiros”, combatentes ferozes e agressivos pelos interesses da China.
O excesso de empenho pode gerar incidentes diplomáticos ou, como no caso atual, uma escorregada no ridículo.
Foi
o que aconteceu com a embaixada chinesa no Sri Lanka, que assumiu a
missão algo esdrúxula de reclamar da foto da agência Reuters que mostra o
esforço extremo feito pela levantadora de peso Hou Zhihui para bater o
recorde olímpico em Tóquio e levar a medalha de ouro.
“De todas as fotos dos jogos, a Reuters tinha que escolher essa, que mostram como são feios”, tuitou a embaixada.
“Não coloquem política e ideologias acima do esporte e se declarem um veículo de imprensa imparcial”.
Depois
esclareceu que o “feios” se referia à agência, não aos atletas, que
“são lindos, independentemente das cores e nacionalidades”.
Acompanharam
o tuíte uma montagem de quatro fotos, três de atletas chineses e uma de
Adam Petty, o nadador inglês bonitão, e um comentário ressentido:
“Mesmo dia, mesma Olimpíada, mesma Reuters, rostos diferentes. Talvez
porque tudo que é bom na vida seja mais fácil para ocidentais brancos?”.
O
jornal oficial Global Times repercutiu o caso da foto da discórdia,
“amplamente vista como desrespeitosa”. E ainda reclamou da manchete da
CNN sobre o primeiro dia da competição: “Ouro para a China e mais casos
de Covid”.
A
intenção, obviamente, era resumir os principais acontecimentos daquele
dia – e o jornalismo às vezes tem que fazer cambalhotas retóricas em
nome da síntese.
O Global Times viu nisso um desejo maligno de associar a China ao aumento de casos registrado em Tóquio.
Detalhe:
os comentários via Twitter são apenas para figuras do mundo oficial;
chineses comuns não têm acesso à plataforma com sua diversidade de
opiniões, anátema dos regimes totalitários.
Em
outro artigo no jornal do partido, um especialista em relações
internacionais, Li Haidong, diz que “a mídia americana vem tentando usar
sua influência para fazer mais países seguir os Estados Unidos no
menosprezo à China através da descrição politizada das práticas
esportivas chinesas”.
A
diplomacia do Lobo Guerreiro (ou Guerreiro Lobo) tirou o nome de uma
série de filmes de ação em que um herói bonitão e bom de briga salva a
China de vilões variados. O nome, obviamente, é informal, mas foi
assumido quase que oficialmente.
Antes
de estabelecer o rumo agressivo e estridente da política externa, a
China seguia um princípio diplomático inspirado numa máxima de Deng
Xiaoping, o grande reformista que colocou o país no rumo da explosão
econômica.
“Esconda
sua força e espere a hora certa”, recomendava Deng – frases de líderes
chineses acabam sempre, inevitavelmente, parecendo conselhos de kung fu
porque a inspiração na sabedoria tradicional é a mesma.
A
hora certa de parar de esconder a força chegou com a ascensão
espetacular da China à posição de disputar a hegemonia mundial com os
Estados Unidos e os grandes planos geopolíticos de Xi Jinping.
Os
lobos guerreiros da diplomacia são incentivados a brigar por espaço nas
redes sociais e dar entrevistas que têm pouco a ver com a tradicional
cautela da linguagem diplomática.
A
agressividade nem sempre é uma boa estratégia, especialmente diante dos
estragos de imagem que a China sofreu por sua conduta na pandemia de
Covid-19.
O próprio Xi, que assumiu o título de Timoneiro, fez no mês passado uma correção de rota no tom da política externa chinesa.
“Precisamos
ficar atentos para usar o tom certo, sermos abertos e confiantes, mas
também modestos e humildes e nos esforçar para criar uma imagem
confiável, amável e respeitável da China”, disse o todo-poderoso.
“O
presidente Xi está claramente ficando ansioso com a deterioração
drástica das relações da China e muitos países ocidentais. A China
precisa, portanto, reorientar o rumo da sua diplomacia”, analisou na
época a pesquisadora Yu Jie, da Chatham House.
Reclamar
que uma agência de notícias como a Reuters escolheu deliberadamente uma
foto para deixar mal uma competidora chinesa não se encaixa muito nessa
linha. Aliás, basta ver como os fotógrafos de esporte procuram captar
as caretas mais expressivas dos levantadores de peso de qualquer
nacionalidade justamente para retratar o nível de esforço envolvido.
Querer
ficar bem na foto é um desejo natural, mas criar a narrativa imaginária
tecida em torno da atleta chinesa deixa os lobos guerreiros com jeito
de canídeos ressentidos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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