MEDIÇÃO DE TERRA

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sexta-feira, 30 de julho de 2021

Otelo e a "revolução" de abril

 



Houve ou não uma “revolução” em Portugal? Lamento informar que não houve entre nós revolução alguma. Alguma luta pelo poder, talvez, mas nada que faça de Otelo um exemplo de romantismo revolucionário. André Villaverde Cabral para o Observador:


Noutras circunstâncias, ter-me-ia dispensado de comentar o papel do recém-falecido Otelo de Carvalho no derrubamento militar do regime ditatorial vigente em Portugal desde o golpe de estado de 28 de Maio de 1926 e na consecutiva proclamação do regime demoliberal em Portugal. Acontece, porém, que o seu falecimento teve lugar num período exacerbado da vida política internacional reinante em numerosos países e causado, entre nós, pela abusiva chegada do PS ao poder em 2015. Com efeito, o PS não fez mais do que cavalgar o ressurgimento dessas ideologias extremistas – umas intituladas de “direita” e outras de “esquerda” – que distorcem o espaço de funcionamento demoliberal.

Se as causas disso ainda são obscuras, as consequências da ideologização partidária sistemática têm tido nefastas para a vida política normal e a isenção da comunicação social, assim como para a actividade económica e social do país, desde a propaganda e o autoritarismo à corrupção. Ora, estas consequências negativas não podem deixar de ter graves efeitos negativos em todo o espectro nacional. Ora, por mais que os “saudosos de Abril” se manifestem, o facto é que ninguém que tenha vivido a transição de 1974-76, votando pela primeira vez livremente em Portugal, ignora que Otelo teve um papel altamente nocivo na consolidação da democracia portuguesa. Não foi à toa que ele caiu de 16,5% dos votos para 1,5% entre as presidenciais de 1976 e 1980.

Pessoalmente, fiquei felicíssimo quando ocorreu o expectável, rápido e eficaz golpe militar de 25/4 que me permitiu regressar a Portugal ao cabo de 11 anos… Não há tempo nem espaço para contar pela milionésima vez a história do golpe. O sinal mais importante que veio do topo da hierarquia militar foi a imediata marcação da Assembleia Constituinte, à qual ainda houve alguma resistência oriunda do vírus anti-democrático formado em torno de alguns militares, entre os quais Otelo, o qual manobrava entre a Junta Nacional e o esquecido COPCON. Entretanto, os sucessivos governos provisórios foram negociando o fim dos combates e a declaração de independência das colónias: o que o «slogan» da hora reivindicava – “Nem mais um soldado para África” – era o rápido termo do golpe e o regresso dos militares aos quarteis!

Dito isto, houve contudo um curto período cujas peripécias político-militares pareceram durar séculos mas não constituiu de forma alguma uma “revolução”. Apenas o oportuno contra-golpe de 11 de Março de ’75 durante o qual o oficial Dinis de Almeida, entretanto também falecido durante a pandemia, ameaçou fuzilar o “inimigo”, permitindo assim ao governo esquerdista nacionalizar a banca e as grandes empresas conforme ambicionava o PCP e com que o actual PS sonha outra vez!

Entretanto, os oficiais superiores que haviam dado a cara pelo golpe, Spínola e Costa Gomes, garantiam o apoio há muito proposto pelos Estados Unidos e pela Comissão Europeia. Tremeram, porém, quando a vasta maioria do país se apercebeu que havia uma dissidência esquerdizante nas forças armadas e que alguns dos militares de Abril se uniam ao PCP e/ou a outros movimentos, com excepção do então badalado MRPP, despachado por Otelo numa noite para a cadeia e para o confinamento num campo de trabalho alentejano a pedido não se sabe ainda hoje de quem… Se e quando se souber, o público dirá de sua justiça!

Entretanto, mais facto menos facto, toda a gente foi sabendo na altura – uns a contento, outros profundamente preocupados com o futuro da prometida democracia – que o homem do COPCON, Otelo, prometia meter os fascistas no Campo Pequeno e não é que não os houvesse… Não sei de memória mas há de haver quem se lembre: Otelo e poucos outros militares deram o nome a uma série de organizações alegadamente revolucionárias e mais ou menos clandestinas destinadas, se não a tomar o poder, pelo menos a influenciar politicamente os governos que se iam sucedendo até às eleições legislativas de ’76 que ainda tentaram adiar.

Foi com esses e outros pretextos que os grupos ligados a Otelo mataram um número significativo de pessoas, sendo todavia “perdoados” quando Soares foi eleito presidente. O mesmo se passou com outros grupos revolucionários, que foram julgados e, depois de cometerem crimes e serem julgados, acabaram por ser também ilibados… A diferença reside em que as «Brigadas» vinham de antes do 25 de Abril e os seus dirigentes eram antigos militantes da extrema-esquerda, em ligação porém com Otelo

Afinal, houve ou não uma “revolução” em Portugal? Dependendo do que se entende por isso, lamento informar os românticos que não houve entre nós revolução alguma… Com excepção das mencionadas medidas prejudiciais ao desenvolvimento do país, como a estatização da banca e das grandes empresas, pouco ou nenhuma «revolução» houve após o 25 de Abril. Alguma luta pelo poder, talvez, mas nada que faça de Otelo um exemplo de romantismo revolucionário.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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