Borba Gato era um bandeirante. Portanto, não era um escoteiro desbravando novas terras. Mas Borba Gato nunca foi um mercador de escravos ou caçador de índios como os incendiários queridos de Boulos acreditam. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Guilherme
Boulos, do PSOL, aprovou o atentado contra um monumento em São Paulo e
até promoveu uma campanha pela libertação dos baderneiros que tocaram
foco na estátua de Manuel de Borba Gato. Para ele, a estátua erguida em
1962 em homenagem ao bandeirante deveria ser substituída pela de Zumbi
dos Palmares – quem merece todas as honras por ter lutado contra a
escravidão.
Boulos
é apenas um exemplo pinçado entre tantos outros que poderiam ilustrar a
questão que aqui será tratada. O afã de reescrever a história sob a
alegação de uma suposta versão dos vencidos provoca efeitos colaterais
que vão desde alucinações, cegueira e até a mais profunda ignorância.
Borba
Gato era um bandeirante. Portanto, não era um escoteiro desbravando
novas terras. Mas Borba Gato nunca foi um mercador de escravos ou
caçador de índios como os incendiários queridos de Boulos acreditam. O
mundo em que ele vivia era hostil. Matar para não morrer era quase uma
constante. Até hoje, exatamente hoje, indigenistas do departamento de
índios isolados da Funai sabem o que representa o risco de atravessar
territórios desses brasileiros que fizeram opção pelo não contato. Não
se trata de relativizar a violência, mas é absolutamente desonesto
medi-la sem considerar o contexto histórico.
Os
“índios bravos”, como eram chamados e ainda são em áreas remotas da
fronteira oeste do Brasil, não costumam perdoar. Matam. Os tempos
mudaram e hoje eles têm o direito e a proteção do Estado para viver da
forma que bem entenderem, em um modo muito parecido com aquele
pré-Cabral.
Boulos
fala em erguer uma estátua em homenagem a Zumbi. Não sei se Boulos faz
ideia, mas o dono do Quilombo de Palmares tinha escravos negros como
ele. Tinha, porque era normal ter. Lá na África, era regra escravizar os
rivais perdedores. Eram os negros quem vendiam nos negros para aquela
que foi uma das mais abjetas empresas da humanidade, que foi a
escravidão.
Zumbi
tem seu papel histórico, virtudes e defeitos. Merece reconhecimento,
estudo e memória. Justa memória, como Borba Gato. Por que não? Ele matou
cobrador de impostos da coroa, lutou na guerra dos Emboabas contra
abusos da coroa e por posições nativistas e quando caiu em desgraça
encontrou proteção entre os índios.
No
século passado, quando a borracha era o ouro vegetal da Amazônia, os
seringalistas “limpavam” a floresta promovendo uma autêntica debandada
dos índios, que eram tocados sob balas. Fenômeno que ganhou o
emblemático nome de correrias. Quem gasta algum tempo para estudar a
história recente da região sabe que as correrias não ficaram presas no
passado. Há relatos de seringueiros contemporâneos de Chico Mendes que
também fizeram uso da pólvora para proteger seus seringais ou para
expandir suas áreas para exploração, não só expulsando índios, mas
também matando alguns ou muitos. Mas pouca gente aceita considerar estes
capítulos de nossa história.
Quando
o Black Lives Matter ameaçou tocar fogo na América como se o país fosse
um grande Borba Gato, algumas estátuas foram para o chão e outras foram
vergonhosamente vilipendiadas. Na Califórnia, uns estúpidos picharam um
busto de Miguel de Cervantes como ele tivesse sido um “bastardo”
escravocrata. Os manifestantes, tão superficiais quanto os incendiários
paulistas, não faziam ideia de que o autor de “Dom Quixote” não só
jamais teve escravos, como foi um por muitos anos.
A
guerra pela construção de versões customizadas de um mundo ao próprio
gosto já não respeita nem o que aconteceu ontem. A bravata do lawfare
ganhou corpo e passou a ser usada como pretexto por corruptos pegos com a
mão nos cofres públicos para se dizerem vítimas de aparatos de Estado.
Lula, no Brasil; Cristina Kirchner, na Argentina; e Evo Morales, na
Bolívia, embarcaram nesta mesma estratégia.
Nos
Estados Unidos, congressistas democratas são a porta de entrada para os
lobistas do petismo e assemelhados entrem em ação. Lula e Morales foram
bater na porta desses parlamentares para vender teses fajutas. Não
satisfeito com a destruição da Lava-Jato, Lula e seus acólitos abusam da
boa-fé de políticos americanos para vender fumaça. Dizem que foi a CIA
que deu origem à Lava Jato com informações coletadas ilegalmente pela
NSA.
Há quem acredite na lorota.
Morales
implodiu a frágil democracia boliviana, vilipendiou a Constituição que
ele mesmo encomendou e fraudou as eleições de 2019. Como punição,
enfrentou uma rebelião popular e acabou fugindo do país. Mas Morales não
desistiu. Seus apoiadores contrataram “estudos acadêmicos” para negar a
fraude e contrariar pareceres da OEA e de observadores internacionais.
Seu grupo se beneficiou do caos gerado pela pandemia e da roubalheira
generalizada de seus sucessores para pavimentar o retorno de seu
partido, o MAS, em uma eleição realizada no ano passado.
De
volta ao jogo, Morales quer cabeças. Assim como Lula, recrutou sua
turma para ludibriar uma dezena de democratas que comeram a versão de
que o que se passou na Bolívia foi um golpe com o amparo dos Estados
Unidos. Uma idiotice sem tamanho que só quem estava na Lua nos últimos
quatro anos pode acreditar.
Os
americanos não foram capazes de se articular para resolver a sua
principal agenda na América Latina, a Venezuela, o que faz pensar que
Washington se meteria em um golpe na Bolívia. Donald Trump, que era o
presidente quanto Evo Morales foi tirado do poder pelo próprio povo que
se cansou de seus desmandos, estava querendo fazer sua “América grande
novamente”. A Bolívia, com todo respeito, não existia.
Mas
não importa; de Borba Gato a Bolívia, os fatos são meros
inconvenientes. O que interessa e vale mesmo é a crença. A história está
sendo reescrita por corruptos, traficantes, baderneiros e ladrões
enquanto alguns incautos com suas tochas acham que são protagonistas
dessa reescrita. Não se trata da versão dos vencidos. Mas da versão dos
oportunistas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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