Marcelo faz “quadratura do círculo” nos encontros com Lula, FHC e Bolsonaro, de olho em 2023 e no futuro das relações com o Brasil. Um “cálculo eleitoral” com um “álibi formal”, dizem politólogos. Pedro Bastos Reis para o Observador:
Na
primeira vez que apertou a mão a Jair Bolsonaro, um dia depois da
tomada de posse do Presidente brasileiro, em 2019, Marcelo Rebelo de
Sousa falou numa “reunião entre irmãos” e num “tom fraternal”, embora o
encontro tenha estado longe de ser caloroso. Na próxima segunda-feira, é
de esperar que o cenário se repita, mas antes, nesta quinta visita ao
Brasil desde que chegou à Presidência, estão também marcados “encontros
de cortesia”, segundo o Palácio de Belém, de Marcelo com os
ex-presidentes brasileiros Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e
Lula e Silva. Cortesias à parte, são certamente encontros que não podem
ser desligados do momento político que se vive no Brasil e do futuro das
relações bilaterais de Portugal com o próximo líder do Palácio do
Planalto.
Se Michel Temer está fora da política ativa depois de uma passagem curta e pouco popular pela presidência, Fernando Henrique Cardoso
continua a ser um dos ex-chefes de Estado mais respeitados e influentes
no Brasil, e o candidato que apoiar em 2022 terá uma ajuda importante
para ambicionar a vitória. Já Lula da Silva, embora ainda não o tenha
anunciado oficialmente, é apontado como candidato a disputar o Planalto com Bolsonaro,
e as sondagens têm demonstrado que é, neste momento, o grande favorito à
vitória. O momento político conturbado e a pré-campanha que já se vive
no Brasil não serão indiferentes a Marcelo Rebelo de Sousa, que na
visita de quatro dias terá todos estes fatores em conta.
“Marcelo
tem consciência que a situação [no Brasil] é muito provavelmente de
mudança e tem de salvaguardar as relações. Tem de preservar o futuro,
não pode, simplesmente, regular-se pela contingência de quem está no
poder. Tem de ter algo na manga para futuros entendimentos, sejam eles
quais forem, e tem esse álibi formal”, defende José Manuel Leite Viegas,
professor catedrático e jubilado de Ciência Política no ISCTE.
Esse
“álibi formal”, explica o politólogo ao Observador, que destaca a
“delicadeza política” do Presidente da República, refere-se ao convite
feito aos três ex-presidentes, o que permite a Marcelo Rebelo de Sousa
apresentar uma “igualdade de circunstâncias”, ao mesmo tempo que “não
compromete nada com Bolsonaro e aproveita para manter e estreitar, com
todo o cuidado para não melindrar ninguém, os laços”.
A viagem do Presidente ao Brasil,
acompanhado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos
Silva, conforme explicou fonte de Belém ao Observador, é uma “mera
visita de trabalho destinada a participar na reinauguração do Museu da Língua Portuguesa,
e não de uma visita oficial ou de Estado”. Para a reinauguração, o
museu, encerrado desde dezembro de 2015 devido a um incêndio, contou com
apoio financeiro de empresas portuguesas, e a sua reabertura é um
momento importante para Portugal, nomeadamente para a divulgação da
língua portuguesa.
Mas,
além do lado simbólico, Marcelo quis aproveitar a reinauguração do
Museu da Língua Portuguesa para se reunir com os principais atores
políticos no Brasil, e é nesse sentido que foi feito o convite aos
ex-presidentes a residir em São Paulo.
Sobre
o que vai estar em discussão, quer no encontro com Jair Bolsonaro, quer
com os ex-presidentes brasileiros — e em particular com Lula da Silva,
por ser um hipotético candidato à presidência —, o Palácio de Belém fala
em “meros encontros de cortesia” e remeteu a discussão sobre a “direção
da política externa de Portugal” para o Governo. Já o Ministério dos
Negócios Estrangeiros, questionado pelo Observador, disse que a visita
“há de certamente contribuir para incrementar as relações bilaterais”:
“Mas essas relações não dependem dos calendários eleitorais, quer do
Brasil quer de Portugal”.
Quanto
à situação política no Brasil, reina a prudência, e tanto em Belém como
no Ministério dos Negócios Estrangeiros não são feitos comentários, com
o gabinete de Augusto Santos Silva a referir que o “Governo português
não se pronuncia, naturalmente, sobre aspetos de política interna
brasileira”. Em relação ao objetivo dos encontros com o ex-presidentes
brasileiros, o Ministério dos Negócios Estrangeiros escusou-se a
responder, referindo apenas que o ministro vai acompanhar o Presidente
da República, pelo que “não compete” ao Governo responder ao que vai ser
discutido.
E
em São Paulo, há também silêncio quanto à importância do encontro com
Marcelo. Fonte próxima de Lula da Silva contou ao Observador que o
ex-presidente aceitou o convite com “simpatia”, encarando-o como um
convite na qualidade de ex-presidente e não de hipotético candidato ao
Planalto em 2022, mas não se quis pronunciar sobre os tópicos que vão
estar em discussão esta sexta-feira à noite, na residência do
Cônsul-Geral de Portugal em São Paulo.
Portugal
e Brasil têm mantido boas relações bilaterais ao longo dos anos, apesar
de alguns altos e baixos, tendo-se verificado momentos de maior
entusiasmo durante as presidências de Fernando Henrique Cardoso e de
Lula da Silva — onde houve grande proximidade com o governo de José
Sócrates —, e momentos mais frios durante a presidência de Dilma
Rousseff e o Governo de Pedro Passos Coelho.
Mas,
para Francisco Seixas de Costa, que foi embaixador no Brasil entre 2005
e 2009, “há um patamar de relações bilaterais entre Portugal e o Brasil
que nunca se perde, independemente dos ciclos políticos, quer
portugueses, quer brasileiros”, apesar de sublinhar uma “assimetria
grande” na relação entre os dois países, com Portugal mais interessado
em manter uma maior ligação ao Brasil. Conforme explica o embaixador ao
Observador, tanto Michel Temer, como Fernando Henrique Cardoso ou Lula
da Silva foram presidentes que, “no quadro da afirmação política
institucional brasileira no passado, mostraram uma afetividade para com
Portugal”, e essa é uma das mensagens que Marcelo tentará transmitir com
estes encontros. Outra será a da “neutralidade” portuguesa.
“Marcelo
Rebelo de Sousa, com estes encontros, procura criar uma imagem de
normalidade da própria vida política brasileira, procura tratar a
democracia brasileira como uma democracia normal, e eu acho isso
extremamente positivo”, afirma Francisco Seixas da Costa. “Esta visita é
o sublinhar e o manter de uma relação de natureza política estável,
marcando precisamente a nossa neutralidade em relação à vida política
interna brasileira”, acrescenta, notando que, no atual contexto de
incerteza no Brasil, quer económica, quer política, não há condições
para “saltos em frente significativos”, daí que Marcelo procure, nesta
fase, “falar com os vários interlocutores políticos”.
Nesta neutralidade portuguesa, apostada em manter e aprofundar relações com o Brasil,
não é, certamente, indiferente o contexto eleitoral no Brasil no
próximo ano, e o cientista político brasileiro Guilherme Casarões
acredita que, na visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao Brasil, há,
precisamente, uma vertente de “cálculo eleitoral”.
“Marcelo
fez um cálculo apostando que Lula e Bolsonaro são os dois possíveis
presidentes a partir de 2023. Bolsonaro não pode censurar Rebelo de
Sousa por se encontrar com Lula, porque é um ex-presidente e uma figura
importante, independentemente de ser candidato no próximo ano”, afirma
ao Observador Guilherme Casarões, professor de Ciência Política da
Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP), da Fundação
Getúlio Vargas. “É melhor como pretexto para Rebelo de Sousa
encontrar-se com Bolsonaro e amenizar com o encontro com Lula do que
encontrar-se apenas com Bolsonaro e ficar com aquele peso de se ter
reunido com uma liderança tóxica para qualquer pessoa do campo
democrático, à direita ou à esquerda”, acrescenta.
Nesse
sentido, continua Casarões, todos os encontros de Marcelo Rebelo de
Sousa são “perfeitamente justificáveis do ponto de vista do protocolo
diplomático”, daí que o Presidente português possa “defender-se de
qualquer crítica”.
Não
é, portanto, de esperar que durante as suas reuniões Marcelo demonstre
qualquer sinal de preferência quanto a um possível candidato à
presidência, uma análise que é consensual entre os politólogos ouvidos
pelo Observador. “A última coisa que Marcelo fará é dar um sinal que
seja interpretado nesse sentido”, garante José Manuel Leite Viegas. No
Brasil, reconhece-se também o cuidado do Presidente português.
“É
um pouco perigoso que um chefe de Estado de outro país se coloque de
uma forma muito favorável a um dos candidatos. O Presidente Marcelo
Rebelo de Sousa é muito cuidadoso em relação a isso”, sublinha ao
Observador Carlos Melo, cientista político brasileiro, de ascendência
portuguesa, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em São Paulo.
“Mas, por outro lado, acho que é inteligente Marcelo conversar com todas
forças políticas do Brasil”, acrescenta.
Se
a conversa com Lula da Silva é aquela que gera maior expectativa,
conforme refere o politólogo António Costa Pinto não existe “nenhuma
empatia” especial entre o ex-presidente brasileiro e o Presidente
português.
“Não
há nada no passado, presente e no futuro de Marcelo para dar algum
destaque particular a Lula. Nada os une. Tal como nada une Bolsonaro e
Marcelo. Há muito mais a unir Marcelo e Fernando Henrique Cardoso”,
explica ao Observador o politólogo e coordenador do Instituto de
Ciências Sociais (ICS), notando que, com os encontros planeados, o
Presidente da República faz a “quadratura do círculo”, reunindo-se com
os pólos opostos — Lula e Bolsonaro — e Fernando Henrique Cardoso,
crítico de Bolsonaro mas também dos governos do Partido dos
Trabalhadores.
Esta
visita, remata António Costa Pinto , “será a continuidade da relação
especial com o Brasil”, uma vez que “Portugal terá sempre boas relações
com o Brasil, faça chuva ou sol, independente da natureza do regime ou
liderança política”.
Depois
do encontro com Lula Silva na noite desta sexta-feira, Marcelo Rebelo
de Sousa vai ter um sábado com uma agenda muito preenchida, começando a
manhã com um pequeno almoço com Michel Temer e com o Presidente de Cabo
Verde, Jorge Carlos Fonseca, e durante a manhã estará na reinauguração
do Museu da Língua Portuguesa. Depois de se encontrar, durante a tarde,
com a comunidade portuguesa em São Paulo e de participar na assinatura
oficial da participação de Portugal como país convidado na Bienal do
Livro de São Paulo de 2022, Marcelo janta com Fernando Henrique Cardoso.
O
encontro com Jair Bolsonaro realiza-se apenas na segunda-feira, no
Palácio da Alvorada, em Brasília, na residência oficial do Presidente
brasileiro. A organização da reunião entre os dois chefes de Estado está
a cargo do ministério das Relações Exteriores brasileiro, o Itamaraty.
Contactado esta quinta-feira pelo Observador, o setor de cerimonial
referiu que apenas existia um email a dar conta da visita de Marcelo
Rebelo de Sousa que iria cumprimentar Bolsonaro ao Planalto, não
existindo qualquer programa, numa “visita protocolar” que se prevê
rápida.
O
Observador questionou o gabinete de imprensa do Presidente Jair
Bolsonaro sobre a importância e a expectativa quanto à visita de Marcelo
Rebelo de Sousa ao Brasil e o estado das relações bilaterais entre os
dois países, mas não obteve respostas até à publicação deste artigo,
Na
presidência brasileira parece não existir particular entusiasmo em
torno da visita de Marcelo Rebelo de Sousa e de Augusto Santos Silva ao
Brasil, e o cientista político Guilherme Casarões acrescenta que “as
relações entre Portugal e Brasil perderam centralidade prática no
governo Bolsonaro”, embora tenha existido um esforço para “recuperar os
laços seculares luso-brasileiros, com ênfase na formação católica e
europeia do Brasil”, além dos avanços no acordo do Mercosul com a União Europeia, uma prioridade para os dois países.
No entanto, apesar da falta de pompa e circunstância, Casarões considera que a visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao Brasil pode ser importante para Bolsonaro manter uma agenda internacional de “estadista”.
“Durante
o primeiro ano de governo, o Presidente brasileiro gastou muita energia
nas relações com lideranças de extrema-direita globais — Trump,
Benjamin Netanyahu, Viktor Orbán — mas deu pouca ênfase aos temas de
longo prazo da política externa brasileira. Agora, com a pandemia
arrefecendo e sob um novo ministro do exterior, o Presidente parece
estar a procurar recuperar sua credibilidade internacional”, afirma o
professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas. “Receber
chefes de Estado, como Rebelo de Sousa, faz parte dessa mesma
preocupação. Mas de pouco adianta ter boas relações internacionais se a
situação do presidente, internamente, se complica a cada dia”, sublinha.
Num cenário de grande polarização, a popularidade de Bolsonaro tem estado em queda há vários meses e a pressão nas ruas a aumentar, sobretudo devido ao escândalo da Covaxin
e à gestão da pandemia, o que tem vindo a isolar ainda mais o executivo
brasileiro, não existindo qualquer diálogo com a oposição, que prepara a
estratégia para as presidenciais de 2022, apesar de persistirem grandes divisões à esquerda e à direita.
Neste
contexto de grande divisão interna, o cientista política
luso-brasileiro Carlos Melo, dando como exemplo a proximidade nas
últimas presidenciais em Portugal, em que o Partido Socialista não
apresentou um candidato oficial, deixando implícito o apoio de parte
significativa do ao atual Presidente, acredita que a visita de Marcelo
pode dar um “sinal interessante para o oposição brasileira, dos liberais
de direita aos progressistas de esquerda”, uma vez que, “nesse campo
democrático, a imagem do Presidente Marcelo indica que é possível
dialogar e estabelecer acordos”.
“Sendo
Marcelo uma figura de diálogo e uma figura carismática, pode ser um bom
interlocutor, embora ele não venha com essa pretensão. Às vezes é bom
que um parente um pouco afastado chegue à nossa casa e ajude a
compreender e resolver os problemas da família”, defende Carlos Melo,
cujos pais nasceram nos Açores e emigraram para o Brasil.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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