O país que o presidente da República deveria governar, se tivesse um plano e não fosse avesso ao trabalho, ultrapassou a terrível marca de 550 mil mortes por covid-19. Editorial do Estadão:
Governos
normais, nada mais do que isto, são capazes de transmitir alguma
segurança aos cidadãos em momentos de crise, como, por exemplo, no curso
de uma pandemia. Como normal não é, o governo de Jair Bolsonaro, ao
contrário, demonstra ter uma capacidade de angustiar os brasileiros que
parece não conhecer limites.
O
país que o presidente da República deveria governar, se tivesse um
plano e não fosse avesso ao trabalho, ultrapassou a terrível marca de
550 mil mortes por covid-19. Já é sabido que só o rápido avanço da
vacinação haverá de interromper este morticínio, mas, mesmo assim, o
Ministério da Saúde não é sequer capaz de garantir aos Estados e
municípios, responsáveis pela aplicação das vacinas, o cumprimento dos
prazos para envio das doses que recebe dos fabricantes.
Há
mais de uma semana, nada menos do que 16 milhões de doses de vacinas,
de diferentes laboratórios, estão armazenadas nos galpões do Ministério
da Saúde. “Informes técnicos”, documentos disponíveis para consulta no
portal da própria pasta na internet, revelam que este é o quantitativo
“estocado”. A inacreditável retenção destas vacinas levou ao menos dez
capitais – Belém, Campo Grande, Florianópolis, João Pessoa, Maceió,
Natal, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Vitória – a suspender a
aplicação da 1.ª dose do imunizante. Goiânia e Cuiabá não chegaram a
suspender totalmente a vacinação, mas limitaram a aplicação a menos
pessoas. É um absurdo haver tantas vacinas “estocadas” e elas não
chegarem rapidamente à população.
O
governador de São Paulo, João Doria (PSDB), reconhecido por seu empenho
em trazer uma vacina para o Brasil diante do descaso de Brasília,
indignou-se publicamente pelo descalabro. Em suas redes sociais, o
tucano classificou como “vergonhosa” a falta de desvelo na distribuição
das vacinas neste momento delicado, em que a pandemia dá sinais de
arrefecimento, mas em patamares de casos e mortes ainda muito elevados.
De
fato, ao governo federal, que só passou a defender a vacinação da
população quando reveses políticos se tornaram incontornáveis, falta o
devido senso de urgência. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD),
recorreu à ironia. “O senso de urgência do Ministério da Saúde chega a
impressionar”, escreveu Paes em suas redes sociais.
Tanto
a crítica do governador paulista como a do prefeito carioca são
pertinentes. Esta falha do Ministério, no entanto, deve servir para
fazer as administrações estaduais e municipais serem mais cautelosas ao
divulgarem seus calendários de vacinação. Não foi o primeiro atraso e,
seguramente, não há de ser o último.
O
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu o atraso na
distribuição dos imunizantes e culpou a burocracia estatal. “Não há
estoque de vacinas”, disse Queiroga a um grupo de jornalistas. “Quando
as vacinas chegam no aeroporto, elas precisam ser avaliadas pela Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Depois, precisam passar pelo
controle do INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em
Saúde). Também tem a questão da Receita Federal. Só depois é que o PNI
(Programa Nacional de Imunizações) prepara as pautas e essas vacinas são
enviadas aos Estados e municípios”, explicou o ministro.
Marcelo
Queiroga é o ministro da Saúde – o quarto – de um país que já perdeu
mais de meio milhão de seus cidadãos para um vírus contra o qual já
existem quatro vacinas disponíveis. Se, nesta condição, o ministro não
tem a força necessária para encurtar prazos e vencer os entraves do que
chamou de “burocracia estatal”, cabe indagar se ele está à altura da
posição, como o momento exige, ou se tem recebido o devido apoio de seu
chefe. Useiro e vezeiro em alardear sua autoridade como presidente da
República, não custaria a Bolsonaro movimentar as engrenagens da
administração pública federal para tornar cada vez mais célere a
distribuição de vacinas para a população. Mas, primeiro, ele precisa
querer que isto aconteça.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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