Em vez de diminuir, aumentam as dúvidas com a prisão de mercenários colombianos que mataram Jovenel Moïse na residência oficial. Vilma Gryzinski:
Um
golpe dado por um médico que viaja de jatinho particular para o Haiti?
Mercenário que posta nas redes sociais mostrando o país onde tem a
missão de fuzilar o presidente? Ex-militares escolados que planejam e
executam um espetacular assassinato político, mas não pensam nas rotas
de fuga? E uma polícia que “demonstra eficácia jamais vista e prende os
criminosos em menos de doze horas” – este, comentário de um leitor
desconfiado de um jornal haitiano.
Estes
são alguns dos elementos que tornam ainda mais intrigante o assassinato
de Jovenel Moïse, fuzilado em casa com doze balas de calibre 380 e 9
mm, ao lado da mulher, atingida por dois tiros e levada de jatinho para
Fort Lauderdale.
A
eficácia da polícia, ironizada pelo leitor, foi facilitada pelos
mercenários colombianos. Eles estavam com seus documentos originais e
vários voltaram aos endereços onde se hospedavam, em casas no mesmo
bairro do presidente. Outros três entraram em confronto armado e foram
mortos. Onze entraram na embaixada de Taiwan e saíram presos.
Também
demorou apenas poucos dias até a prisão de Christian Emmanuel Sanon,
médico radicado nos Estados Unidos que foi para o Haiti dias antes do
atentado fatal. “Foi a primeira pessoas para quem os mercenários
ligaram”, disse a polícia haitiana.
Sua
atuação política anterior se limitava a vídeos denunciando a corrupção
no Haiti. Segundo a polícia, foi ele quem contratou a empresa de
segurança CTU, baseada na Flórida, pertencente a um exilado venezuelano.
Ao
todo, a polícia apresentou 20 colombianos e dois haitianos com
cidadania americana e uma história altamente implausível: disseram ter
sido contratados como intérpretes e que a operação na qual se envolveram
supostamente era para prender Moïse e entregá-lo a um tribunal. Foram
eles os “agentes” filmados na entrada da casa do presidente, dizendo que
era uma operação da DEA, estratagema para afastar curiosos.
Os
colombianos chegaram ao Haiti em dois grupos, a partir de maio, via
República Dominicana. Eram contratados por quatro empresas de segurança
que pagaram as passagens aéreas. Quando foram presos, tinham armas,
munição e quantias em dinheiro vivo, variando entre dois mil e dez mil
dólares. Também levavam seus passaportes.
A
mulher de um dos detidos, Francisco Eladio Uribe, ligou para uma
emissora de rádio e disse que o marido tinha sido contratado por uma
empresa para trabalhar na segurança de um xeque árabe. Ganharia um
salário de 2.700 dólares.
Às
dez da noite da quarta-feira passada, pouco mais de duas horas antes do
assassinato do presidente, ele disse que estava de plantão e tudo ia
bem. No dia seguinte, mandou uma mensagem dizendo que estava sendo
atacado e não entendia o que estava acontecendo. Dias antes, o sargento
da reserva Manuel Antonio Grosso, considerado por especialistas
colombianos como um dos mais treinados do grupo, divulgou fotos
turísticas via redes sociais.
Existiria
a possibilidade de que pelo menos parte dos colombianos tivessem sido
manipulados e atraídos para uma operação mal explicada? Fontes do jornal
colombiano El Tiempo disseram que os colombianos foram enganados.
“O
presidente foi assassinado por seus próprios guarda-costas, não pelos
colombianos”, disse o político oposicionista Steve Benoit, colocando
lenha na fogueira das especulações.
Outra
hipótese cinematográfica: os colombianos na verdade teriam a missão de
proteger Moïse e chegaram ao local do crime quando ele já tinha sido
executado.
A
pessoa que tem mais condições de testemunhar o que aconteceu, Martine
Moïse, que estava no quarto ao lado do marido e levou três tiros, mandou
uma mensagem gravada antes de ser submetida a cirurgia no hospital na
Flórida.
“Num
piscar de olhos, mercenários entraram na minha casa e crivaram de balas
meu marido”, disse ela. A mando de quem? “Eles enviaram os
mercenários”, disse Martine vagamente, referindo-se a inimigos políticos
de Moïse.
Ex-militares
colombianos são valorizados no mercado mundial de segurança por terem
alto nível de treinamento – muitas vezes dado por americanos – e
experiência no combate a guerrilheiros e narcotraficantes.
Com tantos presos, muitas histórias ainda vão acabar vazando sobre um atentado de enormes dimensões políticas e repercussões.
Jacobo
García, do El País, que se o Haiti fosse um filme e o investigador
perguntassem a testemunhas quem teria motivo para assassinar o
presidente, acabaria com uma longa lista de suspeitos. Entre eles, seja
por excesso de imaginação, seja porque o próprio Moïse se pintou como
uma vítima de oligarcas poderosos, está a família Vorbe, que controla as
usinas de fornecimento elétrico do Haiti .
Uma
das promessas irrealizadas – e irrealizáveis – de Moïse tinha sido
fornecer energia elétrica para toda a população – apenas 15% da
população rural têm luz em casa.. A família Vorbe foi deixada de fora
dos planos de eletrificação.
A
elucidação do assassinato do presidente pode tropeçar no ambiente quase
insano de instabilidade política. Partidos do governo e de oposição
elegeram como presidente interino o presidente do Senado, Joseph
Lambert, mas há dúvidas sobre sua viabilidade. O país estava justamente
na transição de um primeiro-ministro para outro e agora ambos se
proclamam chefes de governo.
Claude
Joseph, o que estava de saída, não demonstra a menor intenção de largar
o poder que caiu em seu colo na vigésima-quinta hora. Ele se proclamou
presidente interino, o que faz com que o país tenha dois presidentes no
momento. Entre outras e profundas encrencas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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