O slogan foi inventado por dissidentes para se contrapor ao “Pátria ou morte”, mas não passa pelo crivo de um regime que controla tudo. Vilma Gryzinski:
O
artista plástico cubano Hamlet Lavastida será enquadrado por
“instigação à delinquência e desobediência civil” por ter cometido algo
muito grave: numa conversa por Telegram do grupo oposicionista 27N,
propôs que os integrantes do pequeno coletivo dissidente escrevessem a
sigla em cédulas de dinheiro, para marcar sua presença no “âmbito do
espaço simbólico”.
A
ideia nem foi aprovada pelo grupo, mas Lavastida acabou preso depois da
quarentena obrigatória, ao voltar de um período de residência artística
na Alemanha.
Outra
atitude reprimida: postar ou cantar músicas que incluam o mote “Pátria e
Vida”, criada em contraponto ao mais conhecido slogan da revolução
castrista, “Pátria ou Morte”.
A
repressão a atos tão pequenos, quase ingênuos, de rebeldia é relatada
em detalhes pelo Human Rights Watch em seu documento mais recente.
De
forma geral, o relatório traça um retrato dos métodos repressivos,
conduzidos pela polícia política ou comum, frequentemente contra
artistas, cantores ou jornalistas independentes. Uma das conclusões mais
impressionantes: “Cantar ou relatar notícias são motivos para acabar
preso”.
Devido
às dimensões reduzidas dos grupos dissidentes e à vasta capacidade de
controle do estado policial, são intervenções “cirúrgicas” que isolam e
calam as comunicações dos que ousam abrir a boca.
“Nos
últimos meses, as autoridades cubanas encarceraram e investigaram
criminalmente vários artistas e jornalistas que criticam o governo”.
“Em
outros casos, policiais e agentes de inteligência apresentaram-se
regularmente em suas casas e ordenaram que não saíssem delas, muitas
vezes durante dias ou semanas. As autoridades também restringiram de
forma temporal e seletiva o acesso desses artistas e jornalistas a dados
móveis em seus telefones para limitar o acesso à internet”.
O
relatório foi baseado em entrevistas com 29 pessoas dessas categorias,
entre outros dados. Os entrevistados são ativistas dos grupos Movimento
San Isidro, que reúne cantores, artistas plásticos e outros, e do 27N,
referência a um protesto realizado em 27 de novembro do ano passado
contra a repressão.
Entre
eles, estão cantores que têm a ousadia de repetir o slogan que emergiu
das pequenas manifestações de protesto: “Pátria e vida”.
“Não
mais mentiras/ só queremos liberdade, não mais doutrinas/ Não gritemos
Pátria ou Morte, mas Pátria e Vida”, diz o reggaeton que virou uma
espécie de hino da rebeldia.
Quando uma música se torna ameaça ao estado é porque sua legitimidade é zero.
O
caso do artista Hamlet Lavastida foi relatado ontem no site Cibercuba,
uma interessante fonte de informações quando não está sendo bloqueado.
Diz o Human Rights:
“Jornalistas
independentes, blogueiros, influencers, artistas e acadêmicos que
divulgam informações consideradas críticas ao governo são rotineiramente
submetidos a assédio, violência, campanhas difamatórias, restrições de
movimento, cortes de internet, assédio online, batidas em suas casas e
locais de trabalho, confisco de material de trabalho e prisões
arbitrárias. São regularmente mantidos incomunicáveis”.
Quando
Miguel Díaz Canedo assumiu a presidência no lugar do gerontocrata Raúl
Castro, os mais otimistas acharam que poderia infundir algum sopro de
abertura num regime absurdamente autoritário.
Em
vez disso, os órgãos repressivos têm desde 2019 o decreto-lei 370 que, a
pretexto de tratar da “informatização da sociedade”, criminaliza a
disseminação de informação “contrária ao interesse social, à moral, aos
bons costumes e à integridade das pessoas”.
Não é preciso nem dizer para o que ele está sendo usado.
Lembrete:
escrever “Abaixo a ditadura” em notas de dinheiro era uma pequena
manifestação de inconformismo na época do regime militar brasileiro.
Nunca deu cadeia como agora em Cuba, no caso de Hamlet Lavastida.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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