Podem
criticar à vontade, mas a incursão do homem mais rico do mundo e da
pessoa mais idosa a ir ao espaço tem grandeza de momento histórico. Vilma Gryzinski:
Competição
de egos, foguete fálico, chapéu ridículo, jogada comercial, capricho de
ultrabilionário e ainda tudo pago por nós (os que já compramos alguma
coisa que seja pela Amazon, como ele mesmo disse).
Mas
o voo suborbital sem piloto de Jeff Bezos e seu original trio de
acompanhantes – o irmão, um garoto holandês de 18 anos e a veterana
aviadora Wally Funk – trouxe um gostinho dos grandes momentos que ficam
na memória da humanidade.
Sonhar,
batalhar, arrematar a maior fortuna do planeta e voar até a linha de
Karman, a 100 quilômetros da superfície terrestre, aproveitando rápidos
minutos de gravidade zero são elementos que escrevem a história dos
grandes visionários.
Bezos
tem ideias muito claras sobre o que quer fazer – levar gente para o
espaço, ganhar dinheiro com isso e “dar às pessoas a chance de ver o que
nós acabamos de ver, que é esta Terra tão frágil e tão linda que não dá
para imaginar… talvez tenhamos que mandar um poeta lá para cima, alguém
que saiba melhor como descrevê-la”.
Na
ausência de um poeta, por enquanto, Bezos também teve o gesto de
grandeza – e de esperteza, claro – de convidar Wally Funk. Na juventude,
ela fez parte do grupo de 19 mulheres reunidas pela Nasa para treinar
como astronautas. O desdobramento natural, que seria ir para o espaço,
nunca aconteceu.
Só agora, aos 82 anos, teve a chance de fazer o voo do qual saiu dizendo que quer voltar imediatamente.
Reunir
a pessoa mais jovem e a mais idosa a voar nunca cápsula até o limite do
espaço foi um lance que mostrou o senso de oportunidade de Bezos.
Talvez exista aí também a influência de sua companheira, Lauren Sanchez,
que é piloto de helicóptero e tem uma empresa de filmagens aéreas para
cinema.
Wally
Funk tirou o brevê de piloto na adolescência e, segundo diz, passou a
vida casada com coisas que voam. Na época do treinamento como
astronauta, bateu o recorde no teste de privação sensorial: passou dez
horas e 35 minutos num tanque de água no breu total.
Frustrada
como astronauta – só vinte anos depois mulheres tiveram a chance de ir
para o espaço – , passou a ser instrutora de voo e inspetora de
segurança.
Voar
na ponta de um foguete não tripulado até o limite do espaço é um
atestado de autoconfiança e da incrível capacidade de resistência de
idosos como a rainha Elizabeth, firme no saltinho e na direção de seu
Land Rover aos 95 anos, ou o papa Francisco, operado de diverticulite
aos 84 anos, mas sem intenção de cancelar duas viagens internacionais
marcadas para este ano.
Ver
idosos no comando de engrenagens altamente complexas como a monarquia
inglesa ou a Igreja católica – sem falar na Casa Branca, onde Joe Biden,
aos 78 anos, desafia as previsões de deterioração cognitiva – dá alento
para os que querem envelhecer sem ser tratados, com afetuoso e
invertido paternalismo, como crianças grandes, incapazes de tomar suas
próprias decisões.
O voo bancado por Bezos custou 5,5 bilhões de dólares, uma ninharia para quem tem mais de 200 bilhões de fortuna pessoal.
Muita
gente não gosta dele simplesmente por ser o homem mais rico do mundo e
não dar nenhuma moleza aos que trabalham para ele – mais de um milhão de
pessoas na Amazon.
Usar
o próprio dinheiro para comprar um lugar na história da aventura
espacial pode não ser simpático para muitos. Mas, por abrir um dos
espaços mais exclusivos de todos os tempos para uma mulher de 82 anos,
pode até ser perdoado pelo chapelão que usou na entrevista depois do voo
histórico. Até os caubóis espaciais têm seus momentos de fraqueza.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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