BLOG ORLANDO TAMBOSI
Picaretas bolsonaristas negociaram vacinas muito caras. E alguns não vivem em Brasília. Artigo de José Nêumanne para o Estadão:
“Geralmente,
quando se fala em propina, é pelado e dentro da piscina”, disse o
presidente Jair Bolsonaro à porta do hospital Vila Nova Star, em São
Paulo, após passar quatro dias de folga, desfilando sem máscara pelos
corredores, invadindo sem licença a intimidade de pacientes. E recebendo
visitas da mulher, Michelle, e do maquiador dela. Como de hábito, é
mentira: não há relação histórica ou factual entre corrupção, nudez e
água.
A
frase só se justifica pela rima, que não é rica nem pobre, mas podre,
como a natureza escatológica das falcatruas. Contém a patranha de outras
dez lorotas que lhe sucederam e lógica similar à frase em que o
ignorante (de parca inteligência) e ignorantista (quem nega o óbvio) a
apoiou: “Se eu estivesse na Saúde, eu teria apertado a mão daqueles
caras todos. Ao receber (os representantes) ... ele não estava sentado à
mesa. Geralmente, teria uma fotografia dele sentado à mesa e
negociando. E se fosse propina, (Pazuello) não daria entrevista, meu
Deus do céu, não faria aquele vídeo”. Em geral, feio não é roubar, é ser
flagrado.
De
fato, ninguém tomaria conhecimento da bandalheira encenada no
Ministério da Saúde, em plena vigência de gemelares desgoverno Bolsonaro
e pandemia da covid-19, se não houvesse a comissão parlamentar de
inquérito do Senado para investigá-la. Depoimentos nela tomados
revelaram que delongas nas transações com laboratórios na compra de
vacina esclarecem que nunca houve razão ideológica (negacionismo) para
isso, mas acertos com picaretas ralé vendendo doses inexistentes de
imunizantes (negocionismo) sem o “atrapalho no trabalho” (apud John
Lennon) do compliance. Dois bandos recebiam, sob a chefia do intendente
incompetente Eduardo Pazuello, atravessadores com reconhecida
experiência em negociar com governos e não entregar a mercadoria.
Segundo os primeiros depoentes da CPI, o QG de um era a sala do
secretário executivo, coronel da reserva do Exército Elcio Franco. Outro
se subordinaria ao civil Roberto Dias, egresso do Paraná.
O
primeiro compliance zero a oferecer doses com sobrepreço atraente,
Francisco Emerson Domiciano, mora em Brasília, “paraíso dos lobistas,
dos espertalhões”, segundo Bolsonaro. Mas também tem endereços em São
Paulo. Sua empresa Global tinha vendido remédios caríssimos para doenças
raras ao Distrito Federal, à época em que o paranaense Ricardo Barros
foi ministro da Saúde, no governo Temer. Nunca entregou o que vendeu,
nunca devolveu o que recebeu. O líder do governo no Senado, Fernando
Bezerra Coelho, atestou sua “lisura”, por nunca ter sido condenado. O
primogênito da famiglia presidencial, Flávio, levou-o ao presidente do
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo
Montezano, para apresentar um projeto de banda larga para o Nordeste,
uma “boa ideia” de uma de suas 13 empresas, a Xis Internet Fibra. Flávio
mudou-se do Rio para Brasília em 2019. A Precisa Medicamentos
intermediou compra de 20 milhões de doses de AstraZeneca, parceira da
Fiocruz, por R$ 1,67 bilhão. A verba foi empenhada, o contrato foi
suspenso e só agora cancelado. E o laboratório britânico desconhece
qualquer entrega de tal vulto. A famiglia em primeiro lugar.
Depois
da famiglia, Cristo, conexão entre o clã e o reverendo Amilton Gomes de
Paula, presidente do Serviço Nacional de Assuntos Humanitários (Senah,
antes Senar, de religiosos). A venda sem compliance foi muito mais
volumosa (e, claro, mais vantajosa): 400 milhões de doses. O
atravessador é o mais distante dos lobistas de Brasília: Herman
Cardenas, dono da Davati, loja de material de construção, e de um
escritório de negócios imobiliários, no Texas, EUA. Seu representante no
Brasil, Cristiano Carvalho, mora em São Paulo, mas mostrou adestramento
nos costumes dos “lobistas” de Bolsonaro: para ele, não existiu
corrupção, mas “comissionamento”. Foi nesse negócio que o cabo PM-MG
Luiz Paulo Dominguetti acusou Dias de ter cobrado um centavo de dólar de
“comissão” por dose de AstraZeneca, de fornecimento “garantido” por um
médico amigo do texano da origem do “rolo”.
A
World Brands Distribuição, cujos representantes estrelam o vídeo com
Pazuello, é de Jaime José Tomaseli, um dos três condenados pela Justiça
Federal de Itajaí (SC), a milhares de quilômetros da capital federal, em
2014, por participar de conluio que fraudou documentos de importação de
produtos.
O
parco espaço destinado a este artigo não comporta a lista dos oficiais
da ativa e da reserva das Forças Armadas envolvidos nas negociações
tenebrosas que explicam parte considerável dos mais de 540 mil óbitos
por covid-19 que teria sido evitada com o uso de imunizantes de
laboratórios com compliance: Fiocruz, Butantan, AstraZeneca, Sinovac,
Pfizer, Moderna e Johnson.
A
diferença dos recentes “lobistas” em relação aos antigos é o ponto
comum dos novos: o bolsonarismo de raiz pôs em contato o cabo PM de
Minas na ativa e em horário de expediente, Dominguetti, e o
“terrivelmente evangélico” Amilton sem agá. O resto é papo de latrina,
outra rima podre de propina.
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