Na questão do fundão eleitoral, a sinuca de bico foi criada pela própria sociedade brasileira. William Waack para o Estadão:
Descrito como dilema de Bolsonaro, o veto do fundão eleitoral é, na verdade, um dilema da sociedade brasileira.
Que Bolsonaro não tem condições de resolver, mesmo que tivesse qualquer
pretensão nesse sentido – basicamente por não ser um líder e por se
comportar como chefe de facção.
O
dilema já existia antes da Operação Lava Jato, mas acabou sendo um de
seus legados mais destacados. É o de como financiar campanhas
eleitorais, e é gritantemente óbvio. Ninguém gosta da ideia de fundos
públicos – o dinheiro de impostos – sendo destinado a campanhas de
políticos dos quais, em geral, também ninguém gosta.
Ocorre
que a contribuição privada via CNPJ passou a ser vista nos últimos dez
anos como corrupção da democracia em sentido amplo e, com a Lava Jato,
em sentido estrito. Já quase caiu no esquecimento do público a maneira
como os expoentes da campanha anticorrupção consideravam lavagem de
dinheiro a doação – legal e declarada – de empresas para candidatos e
partidos, pois desconfiava-se que o dinheiro legal e declarado tinha
como origem contratos sob suspeita com órgãos públicos.
Então
vamos financiar como? Até aqui não há uma resposta de consenso, a não
ser que doação de CNPJ é uma coisa abjeta e utilizar fundos públicos
para campanha também. Essa farra com dinheiro do contribuinte tem como
causa principal o fato de campanhas serem muito caras, começando pelas
campanhas para deputado federal. E elas são importantíssimas para os
partidos, hoje empenhados em primeira linha na formação de bancadas
numerosas – qualquer que seja o próximo presidente, ele terá de se
curvar ao Legislativo, que agora manda também no Orçamento.
Uma
forma de baratear esse custo seria adotar um outro sistema eleitoral –
nesse sentido, o do barateamento, o voto distrital misto é tido como
promissor (embora não seja a solução pronta para diminuir o profundo
abismo de representatividade dos políticos). A reforma que está sendo
tocada no Congresso vai na contramão disso e, na prática, contribui para
manter o elevadíssimo fracionamento dos Legislativos e a debilidade dos
partidos (mas não dos seus caciques, aqueles que distribuem as verbas e
emendas).
O
empenho de Bolsonaro em relação às eleições passa longe de tentar
encaminhar qualquer solução para os problemas do financiamento de
campanhas e a gravíssima questão do fracionamento do sistema político
partidário. A única “questão de fundo” que o preocupa é o chamado voto
auditável, uma quimera bolsonarista segundo a qual ministros petistas do
STF tiraram Lula da cadeia e insistem num sistema fraudado nas duas
últimas eleições presidenciais para devolver o poder à esquerda. Não
importa que seja uma grosseira bobagem: o fato é que essa narrativa
encontra ressonância também entre oficiais de segundo escalão nas Forças
Armadas, talvez o que mais interesse a Bolsonaro.
O
presidente não está dando grande bola para as cobranças que vêm de suas
próprias redes sociais, que ainda estão à espera das promessas de
“mudar a política” com as quais ele se elegeu. Bolsonaro é hoje o
presidente do Centrão, cujas necessidades de todo tipo cabe a ele
atender e não o contrário – a reforma ministerial que ele anuncia para
semana que vem que o diga. Há um toque de ironia na maneira pela qual os
chefes dessas agremiações políticas justificam o golpe no bolso do
contribuinte via fundão eleitoral: pelo menos é financiamento às claras,
sem corrupção.
Bolsonaro
é apenas passageiro nesse trem da alegria, com direito de vez em quando
de puxar o cordão do apito fazendo de conta que é o condutor. Se o
bolsonarismo raiz não gosta, paciência. Se ele puxar qualquer coisa
parecida a um freio de emergência, vai ser convidado a desembarcar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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