Mas aí Bezos me sai com um agradecimento aos clientes da Amazon. “Vocês pagaram por isso”, disse ele, tão emocionado quanto um gerente das Casas Bahia que acabou de vender a geladeira mais cara da loja. Via Gazeta, a crônica de Paulo Polzonoff Jr.:
Minha
mulher chega em casa, dá atenção e comida para a Catota e, estranhando
meu silêncio e ausência, me chama pelos cômodos. Ela está prestes a
ligar para a polícia quando me encontra na sacada, olhando as parcas
estrelas que a poluição visual da metrópole me permite enxergar.
Depois
de levar a devida bronca por quase tê-la matado do coração, ela me
pergunta o que estou fazendo ali, àquela hora e naquele frio. Respondo
que estou pensando em Bezos. Ela entende errado e abre um lindo sorriso
malicioso. Mas, acabrunhado que estou em minha filosofice cotidiana,
esclareço que estava pensando em Jeff Bezos e sua viagenzinha-relâmpago
ao espaço.
Ela
põe as mãos na cintura e dou um passo para trás, prevendo a catástrofe.
“Não vai me dizer que você também considera desperdício de dinheiro e
acha que esses bilionários deveriam tentar resolver o problema da fome
na África antes de saírem por aí com suas navezinhas!”, diz ela, entre a
reprimenda e a esperança de não me ver transformado num demagogo
espacial.
Não,
não vou usar esses argumentos que fedem mais do que sede do DCE depois
que a mesada cai na conta. Simplesmente porque não acredito nesse
discurso que mistura estupidez e burrice. Abro a boca para expor o
motivo da minha melancolia, mas sou interrompido por um abraço e um
besos que me levam a um Universo muito mais fascinante do que aquele que
o ex-dono da Amazon teve o privilégio de observar.
E na alminha, não vai nada?
Naquele
que ainda hoje considero o melhor episódio da série “The Crown”, o
recém-falecido príncipe Philip está passando por uma crise existencial.
Ex-piloto da Força Aérea Britânica, ele se vê reduzido a um mero bibelô,
destinado a acompanhar a rainha sem exercer qualquer papel mais
relevante na história. E, no meio dessa crise, ele tem a oportunidade de
conhecer os três astronautas que, há não muito tempo, tinham sido
protagonistas do maior feito da Humanidade: o pouso na Lua.
Acompanhamos
o príncipe em sua angústia metafísica. Qual o sentido da vida para
alguém fadado às pompas e honras de uma vida cercada de privilégios, mas
virtualmente inútil? E o que os três astronautas têm a dizer sobre a
sensação de vislumbrar a Eternidade escura e de colocar seus pés em
outro corpo celeste?
Ao
fim do episódio, porém, descobrimos que Neil Armstrong, Buzz Aldrin e
Michael Collins são o que são: engenheiros. E não exploradores, no
sentido mais britânico do termo. Muito menos poetas ou filósofos dignos
de alguma epifania quando mergulhados no breu do Universo ou sujos de
poeira lunar. Não! São homens que, apesar de terem colocado os pés no
Mar da Tranquilidade, infelizmente os mantiveram bem presos à Terra e ao
que temos de mais intelectualmente mundano.
O
episódio beira a perfeição, mas também a crueldade, ao mostrar os
astronautas como representantes máximos de um novo mundo. Um mundo
obcecado pela tecnologia e que despreza, como se fosse superstição, essa
metafisicazinha à toa de uma noite fria de terça-feira.
“Vocês pagaram”
Pois
foi em meio a um dia com cara de Cioran e sob um frio dostoievskiano
que acompanhei a viagem-relâmpago de Jeff Bezos ao espaço. O que ele, o
homem mais rico do mundo, expoente da Revolução Digital e senhor do
"capitalismo do futuro", teria a dizer sobre a experiência não única,
mas rara, de admirar a imensidão escura, para além da qual só há
mistério?
Minha
esperança era a de que o departamento de comunicação da Amazon ou da
Blue Origin criassem algum tipo de mensagem tão marcante quanto o “este é
um pequeno passo para o homem, mas um passo enorme para a Humanidade”,
de Armstrong. Afinal, imagine quantos PhDs e quanta diversidade racial e
sexual não há nesses departamentos de comunicação. Fossem quais fossem
as palavras de Bezos à porta da cápsula espacial, tinha certeza de que
elas estariam gravadas não só nos livros de história, mas também na
memória coletiva, como prenúncio de uma Nova Era.
Mas
aí Bezos me sai com um agradecimento aos clientes da Amazon. “Vocês
pagaram por isso”, disse ele, tão emocionado quanto um gerente das Casas
Bahia que acabou de vender a geladeira mais cara da loja. Tão poético
quanto o som do último carimbo de um cartorário. Tão inspirador quanto
um tuíte de Paulo Coelho.
Sorumbático,
saí para a sacada e lá fiquei, primeiro admirando o crepúsculo rosa do
inverno curitibano e depois assistindo ao surgimento das primeiras e
escassas estrelas. E, depois de algum tempo, chegando à conclusão de que
não há erro no plano divino. Talvez o mais acertado mesmo seja jamais
permitir que alguém com espírito de poeta vá ao espaço – para não
corrermos o risco de ouvirmos ou um trocadilho infame ou uma epifania da
qual não daremos conta.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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