A hipótese de que o vírus da Covid-19 saiu de um laboratório chinês ganha força pelo simples fato de que OMS não poderá aprofundar estudos. Vilma Gryzinski:
Foi
fácil transformar em patriotada uma proposta de investigação
internacional sobre a hipótese de que a praga que assola o mundo saiu do
Instituto de Virologia de Wuhan.
“Em
alguns aspectos, o plano da OMS para a próxima fase da investigação
sobre a origem do coronavírus revela falta de respeito pelo bom senso e
uma atitude arrogante em relação à ciência. É impossível para nós
aceitar um plano desses”, enunciou, muito claramente, Zeng Yixin,
vice-diretor da Comissão Nacional de Saúde.
Zeng Yixin também se declarou “extremamente chocado” pela proposta da Organização Mundial de Saúde.
Por
quê? A primeira investigação da OMS foi muito condescendente com a
China ao concluir que era extremamente improvável a hipótese de que o
vírus tenha vazado do laboratório na cidade chinesa que foi o marco zero
da pandemia, mesmo sem ter tido o acesso desejado às fontes originais
das pesquisas feitas em laboratórios que poderiam envolver uma versão
turbinada do vírus ou a contaminação de funcionários que lidavam com
morcegos infectados.
A
excessiva boa vontade da equipe internacional da OMS esbarrou numa
espécie de mudança climática: em lugar de um consenso sobre a origem
zoonótica do vírus, que predominou nas primeiras fases da pandemia,
surgiram várias dúvidas e conjecturas científicas no sentido oposto.
A
guinada mais importante veio do governo de Joe Biden. Já sem medo de
ser associado às versões predominantes no universo trumpista sobre a
origem proposital do vírus, o novo presidente deu um prazo de três meses
para que os serviços de inteligência apresentassem uma conclusão
definitiva.
O
prazo termina no fim de agosto, mas nada garante que responderá tantas
dúvidas suscitadas pela doença que já chegou com uma rápida e arrasadora
capacidade de propagação, matando mais de 4,1 milhão de pessoas em um
ano e meio em todo o mundo.
A
recusa da China em aceitar a segunda fase da investigação representa,
ironicamente, quase uma ruptura com a OMS, considerada no início da
pandemia tão cordata e maleável à influência de Pequim que Donald Trump
cortou laços com a organização da ONU.
Uma
das primeiras medidas de Biden como presidente foi reatar com a
organização – e talvez a influência silenciosa dos Estados Unidos tenha
pesado na atitude menos complacente em relação à China.
O
repúdio a Trump influenciou até publicações científicas, que tendiam a
demorar excessivamente para considerar estudos feitos por especialistas
desconfiados da facilidade com que foi aceita a tese de que o vírus
passou de um morcego para um animal intermediário comercializado no
mercado de Wuhan e daí para os humanos.
“É
importante falar sobre as publicações científicas. Acho que são
parcialmente responsáveis pelo acobertamento”, acusou a bióloga francesa
Virginie Courtier-Orgogozo, integrante do Grupo de Paris, um dos
principais fóruns de cientistas que propugnam um debate sem ideias
pré-concebidas sobre a origem do vírus.
A fase de chamar de conspiranóicos os cientistas que não endossaram a origem zoonótica da Covid-19 já passou.
O
problema é que, sem acesso aos arquivos das instituições chinesas,
muitas das teses continuarão a habitar o campo da especulação.
Ao
se recusar a abri-los aos investigadores da OMS, a China aumenta as
suspeitas de que está escondendo alguma – ou algumas – coisa.
Todas
as instituições científicas de ponta têm segredos e, entre as grandes
potências, ligações diretas com pesquisas destinadas a fins militares. A
China poderia proteger seus segredos sem fechar as portas a uma
investigação independente sobre a origem do vírus?
Nunca ficaremos sabendo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário