Dominado pelo Centrão, o Congresso sente-se forte ante um presidente acossado por mais de uma centena de pedidos de impeachment. E carrega na mão, sentindo-se à vontade para gastar dinheiro público. Fernando Gabeira para o Estadão Estadão:
Quando
o Congresso aprovou uma verba de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral,
muitos, como eu, protestaram. É o preço da democracia, falou-se em
defesa do assalto ao Tesouro. De fato, as eleições têm um preço para
todos, sobretudo depois que se decidiu transitar do financiamento
privado para o público. Precisava ser um preço tão alto?
A
ideia na transição era a de que os gastos excessivos, as campanhas
rocambolescas dariam lugar a um processo de debates, e com custos mais
modestos. Reconheço que a expressão custos mais modestos tem um valor
subjetivo. No entanto, outro argumento se impõe: já que são gastos
públicos, devem ser orçados com transparência.
Não
foi o que aconteceu. A transparência desejada deu lugar a uma opacidade
calculada. O fundo eleitoral deveria ser votado em destaque separado.
Nessa
hipótese, os defensores da proposta deveriam explicar o sentido daquela
soma de R$ 5,7 milhões. Por que esta soma e não outra, que cálculos os
levaram a concluir por um volume de recursos quase três vezes superior
ao que foi votado no passado recente?
Adianta
pouco pessoas que conhecem a complexidade e os mistérios da política
dizerem pura e simplesmente: o volume é esse e pronto, um custo
democrático. O que se espera é uma discussão transparente e realista
sobre os custos eleitorais, até porque podem ser feitos ainda num
contexto de pandemia. Caem as internações, mas a variante delta avança
no Brasil e já é a segunda encontrada entre as novas contaminações.
O
presidente da Câmara, Arthur Lira, argumentou numa entrevista que os
gastos eram apenas um quarto dos custos totais das eleições. Mais uma
razão para nos inquietarmos: se isso é verdadeiro, as eleições no Brasil
custarão R$ 24 bilhões. As de 2018 teriam custado R$ 21,8 bilhões e não
estávamos devastados pela pandemia. Não estou acrescentado a esse custo
os R$ 2 bilhões necessários para implantar o voto impresso, uma
bandeira de Bolsonaro que já está desbotando na Câmara, embora tenha sua
votação apenas adiada.
Há
algum tempo os especialistas consideram as eleições brasileiras as mais
caras do mundo. Em 2006, o brasilianista David Samuels comparou as
eleições brasileiras e americanas: as nossas custaram entre US$ 3,5
bilhões e US$ 4,5 bilhões, ante US$ 3 bilhões nos EUA. Os cálculos de
Samuels não incluem o chamado horário eleitoral gratuito, que tem esse
nome para atenuar seu impacto nas contas, mas representa custo real para
o País.
O
ato de orçar as eleições brasileiras não envolve, pois, apenas uma
parte do preço da democracia, mas também uma porção considerável de sua
saúde, expressa em legitimidade.
Dominado
pelo Centrão, o Congresso sente-se forte ante um presidente acossado
por mais de uma centena de pedidos de impeachment. E carrega na mão,
sentindo-se à vontade para gastar dinheiro público.
Esse
movimento perdulário não se esgota no fundo eleitoral. O próprio Estado
denunciou uma espécie de orçamento secreto, em que as emendas
parlamentares são destinadas sem transparência.
Esse
processo foi introduzido por meio de um artifício que intitularam
“emendas do relator”. Só neste ano Arthur Lira deverá dispor de R$ 11
bilhões para destinar a deputados e partidos fiéis, dentro dessa
rubrica.
O
chamado preço da democracia brasileira está influenciando a sua saúde.
Todos os ressentimentos que já existem sobre a atuação do Congresso
acabam ganhando dimensão maior quando se acrescentam essas variáveis
financeiras.
Por
essas razões foi necessário protestar contra o fundo eleitoral.
Bolsonaro não pode simplesmente vetá-lo. Será necessário buscar uma
saída conciliatória, pois não podemos voltar subitamente ao
financiamento privado.
Aliás,
a situação de Bolsonaro é muito cômoda. Ele é candidato e seus gastos
de campanha até o momento não são computados como tal. Eles são bancados
pelo governo federal, que financia seus deslocamentos no Brasil para
passear de motocicleta e fazer discursos eleitorais, às vezes
disfarçados, às vezes não. Os custos da campanha já em curso não se
esgotam aí. Seu passeio no Rio custou ao Estado R$ 645 mil na montagem
do esquema de segurança. Em São Paulo, esse custo praticamente dobrou e
foi a R$ 1,2 milhão.
Bolsonaro
venceu as eleições em 2018 surfando a onda da luta contra a corrupção e
o desprezo do sistema político pelas preocupações das pessoas comuns.
Alguns analistas acham que Bolsonaro venceu por causa de um moralismo
primário dos eleitores e de alguns formadores de opinião. Essa acusação
de moralismo se volta agora contra quem protesta pelo alto custo do
fundo eleitoral. No entanto, nosso protesto pode resultar em economia
concreta para os cofres públicos, sem prejuízo da disputa eleitoral.
Esses R$ 5,7 milhões serão de alguma forma reduzidos.
A
análise do moralismo é precária se não leva em conta o fato de que o
sistema político continua de costas para a sociedade e prepara reformas
ainda mais escabrosas que o valor do fundo eleitoral.
O
grande perigo para a democracia acontece quando o povo se volta contra
ela. É o aprendizado que o processo de redemocratização tem de fazer,
para evitar que aventuras autoritárias se tornem viáveis de novo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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