A única possibilidade de que a decisão da Segunda Turma atinja a todos
os condenados seria mais uma interpretação criativa, escreve Merval
Pereira via jornal O Globo:
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal exerceu o direito de
errar por último, como Rui Barbosa definiu ser prerrogativa do STF. Mas o
Supremo é composto por 11 ministros, onze ilhas, na definição de
Sepulveda Pertence, “Os Onze” retratados com maestria pelo livro desse
nome dos jornalistas Felipe Recondo e Luis Weber.
Portanto, os três votos que inovaram a interpretação da lei para
anular o primeiro julgamento da Lava-Jato, usando uma criatividade que
até o momento era atribuída apenas ao “direito de Curitiba”, na
expressão jocosa do ministro Gilmar Mendes, não representam a opinião do
pleno, e em algum momento o caso deverá ser enfrentado pelo conjunto do
Supremo.
Ou então a própria Segunda Turma, diante da má repercussão da medida
na opinião pública, pode explicitar no acórdão que os efeitos da decisão
só se produzem nos processos posteriores, não tendo efeito retroativo
para os casos em que a defesa não alegou cerceamento em recurso ainda na
primeira instância.
Essa interpretação de que os réus delatores são parte da acusação, e
por isso o réu delatado deve ter o direito de se defender por ultimo,
deve servir para basear pedidos de anulação de uma série de processos,
pois nunca os juízes separaram delatores e delatados, sempre
considerados réus igualmente.
A anulação com base nessa nova interpretação da Segunda Turma, porém,
só seria possível em situações como a de Bendine, em que a defesa dos
réus pediu que falassem depois dos delatores. Os que assim fizeram,
antes da primeira condenação, tiveram seus recursos negados pelo juiz de
primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ, e agora podem ser
beneficiados.
Como salientei ontem, o advogado Cristiano Zanin não fez esse recurso
no julgamento de primeira instância nos dois julgamentos em que Lula
foi condenado, o do triplex, e o do sítio de Atibaia, mas tenta se
aproveitar da nova interpretação no julgamento em curso do processo
sobre o terreno do Instituto Lula dado pela Odebrecht.
A decisão do juiz Luiz Antonio Bonat ainda não foi divulgada mas,
como de praxe, ele deu aos réus o mesmo prazo, fossem delatores ou não.
Como o julgamento não terminou na primeira instância, basta que o juiz
que substituiu Moro siga a nova instrução do Supremo, refazendo essa
parte do processo, concedendo à defesa de Lula o direito de ser a última
a falar.
A única possibilidade de que a decisão da Segunda Turma atinja a todos os condenados seria mais uma interpretação criativa.
Devido à controvérsia que a decisão causou, era provável que o
recurso da Procuradoria-Geral da República fosse encaminhado pelo
relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, para decisão do plenário do
Supremo. Foi o que ele fez, ontem à noite, usando outro processo.
Será a única maneira de esclarecer se essa criatividade jurídica
conta com o respaldo da maioria do STF. Se a Segunda Turma recebesse o
recurso, dificilmente o resultado seria diferente. Pode até ser que a
ministra Carmem Lucia, que surpreendeu a todos votando junto com Gilmar
Mendes e Lewandowski, defendesse a tese de que a decisão se restringe
ao caso de Bendini. Os dois outros teriam interpretação diferente,
provavelmente, e o resultado seria um empate de 2 a 2, que beneficiaria o
réu.
O ministro Celso de Mello está internado, e provavelmente não
retornará ao trabalho tão cedo. A defesa de Lula poderia se aproveitar
dessa baixa na Segunda Turma para apresentar o recurso, alargando sua
interpretação. Esta é a primeira grande derrota da Operação Lava-Jato no
Supremo, pois resultou na anulação de uma condenação.
As outras derrotas, como o fim da condução coercitiva, ou a contenção
da prisão preventiva, foram superadas na prática do dia a dia. Agora,
depois da divulgação de diálogos entre Sergio Moro e Dallagnol, e entre
os procuradores de Curitiba entre si, foram revelados detalhes pessoais
dos investigadores que reforçaram uma rejeição que já havia latente em
muitos dos ministros do Supremo, e expressada por outros, sendo o mais
contundente o ministro Gilmar Mendes.
Mesmo que as conversas não revelem nenhuma irregularidade jurídica
nas decisões tomadas, mostram uma faceta nada edificante das
investigações. São questões morais que não deveriam interferir no
julgamento, mas interferem. Muitos atribuem a esse incômodo o voto da
ministra Carmem Lucia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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