A população não está falando mal do que ele faz, mas do que ele diz, adverte J. R. Guzzo em sua coluna na edição impressa de Veja:
Se o presidente Jair Bolsonaro tivesse quem bem lhe quisesse, esse
alguém lhe diria: “Desiste, essa busca é inútil” — e aí, se ele
desistiria ou não, é assunto que ninguém pode resolver em seu lugar.
Seria uma coisa muito boa se ele desistisse da ronda que faz dia e noite
à procura de problemas inúteis, atritos com quem lhe desagrada, justa
ou injustamente, e discussões que lhe rendem pouco lucro, mesmo quando
tem a razão a seu lado. Para que isso? Bolsonaro, quando se verificam as
realizações que obteve nos últimos sete meses, está fazendo um bom
governo e entregando resultados concretos na maioria das áreas que
interessam ao país. Mas os seus atos são muito melhores do que as suas
palavras — e do que os seus frequentes arranques de cachorro atropelado,
como diria Nelson Rodrigues. É um contrassenso. Conforme acaba de
mostrar uma pesquisa de VEJA, publicada na edição anterior, grande parte
da população apoia o presidente, mas não gosta do seu jeito de
governar. Não está falando mal do que ele faz. Está falando mal do que
ele diz.
Bolsonaro tem de assinar o mais rápido possível um tratado de paz
consigo mesmo, com o seu próprio governo, com o Brasil e com o resto do
mundo. A partir daí, faria um grande favor a todos se largasse essa vida
de criador de caso, ou de atirador de gasolina na fogueira dos outros, e
passasse a cumprir a sua jornada diária de trabalho como a maioria dos
brasileiros cumpre — trabalhando. Seria a maneira mais prática de
resolver o paradoxo de um governo cujo principal opositor é o próprio
presidente, e não os partidos da oposição, que conseguem valer menos
hoje do que valiam em seu desastre eleitoral do ano passado. Se tivesse
ficado quieto desde janeiro, só isso, estaria agora numa situação muito
mais confortável — e seus inimigos estariam com muito mais dificuldades
para falar mal dele. Mas Bolsonaro acha que para governar bem é
essencial ficar brigando com repórter da Folha, e outras mixarias desse
tipo. E daí, se ele mostrar que o repórter é um idiota? O que o Brasil
ganha com isso? O povo, aliás, está pouco ligando para sua guerrinha —
mesmo porque presta cada vez menos atenção no que a mídia diz.
Poucas palhaçadas revelam esse seu “estilo” tão bem quanto a comédia
que está escrevendo a quatro mãos com o presidente da França, Emmanuel
Macron, em torno da “Amazônia”. Macron, achando que faria cartaz,
começou a brigar com Bolsonaro e com o Brasil, já que não pode brigar
com Donald Trump ou com a China. Bolsonaro, para se vingar, recusou-se a
receber um ministro francês porque estava cortando o cabelo. Macron
surtou. Disse que a Amazônia estava “em chamas”, resolveu ilustrar sua
denúncia com uma foto tirada por um fotógrafo americano que morreu em
2003 e acabou propondo a “internacionalização” da área. Nenhum líder
mundial, naturalmente, lhe deu a menor atenção — mesmo porque Macron não
saberia como “internacionalizar” uma área que pertence a oito países
livres e que só no Brasil tem mais de 5 milhões de quilômetros
quadrados, onde vivem 20 milhões de pessoas. Bolsonaro, a essa altura,
estava ganhando de 3 a 0. Fez, inclusive, um discurso sereno e
equilibrado em resposta a essa alucinação. Aí, resolveu aproveitar uma
piadinha de internet para rir da idade da senhora Macron. Em um segundo,
mandou tudo para o espaço. Mexer com a mulher dos outros é coisa de
cafajeste — e não adianta enrolar agora, porque foi isso mesmo que ele
fez.
Bolsonaro deveria se lembrar, urgentemente, que não foi eleito por
causa de suas virtudes de brigador de rua, mas porque a maioria do
eleitorado viu nele o único homem capaz de derrotar Lula e treze anos de
desgraça petista. Não deveria esquecer que esses 57 milhões de
brasileiros, e muitos outros, querem que faça o que prometeu — não o
elegeram para sair no braço com jornalista, com o presidente da França
ou com artista de novela. De tudo o que prometeu, enfim, o que os seus
eleitores mais cobram é o combate à corrupção, como acabaram de provar
mais uma vez com manifestações em massa nas ruas, no último domingo, em
defesa da Lava-Jato e do ministro Sergio Moro. E aí: de que lado
Bolsonaro realmente está? Não dá para ser contra a corrupção e, ao mesmo
tempo, ficar de briguinha com Moro e de amiguinho com Antonio Toffoli.
Não dá para dizer que “não leu” a lei de promoção à impunidade
recém-aprovada na Câmara, ou abandonar o projeto anticrime de Moro, ou
aceitar a suspensão de investigações contra a corrupção por órgãos de
seu governo.
Nada disso é “questão de estilo”. É questão de dizer qual é, de fato, o seu time.
Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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