Artigo do professor e promotor César Dário Mariano da Silva, via Blog do Fausto Macedo (Estadão):
Assisti estupefato à leitura do voto do ministro Edson Fachin ao julgar o registro da candidatura de Lula.
Vi um ministro do Supremo Tribunal Federal inverter regras básicas de
hermenêutica jurídica e interpretar a Constituição Federal de acordo
com diploma internacional, que possui força supralegal, para os que
entendem que ele se encontra em vigor, uma vez que ainda não foi
reconhecido pela Presidência República (falta o decreto presidencial).
Desde que em vigor no território nacional, os tratados internacionais
sobre direitos humanos, que não tenham observado o disposto no art. 5º,
§ 3º, da Constituição Federal, passam a integrar nosso ordenamento
jurídico com status supralegal. Eles estão abaixo da Constituição
Federal, mas acima da legislação interna, tornando inaplicáveis as
normas infraconstitucionais que com eles sejam conflitantes. É o que
ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal sobre a hierarquia
existente entre os tratados internacionais e a legislação interna
brasileira (RE 466.343-SP, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, v.u, j.
03.12.2008).
Contudo, Fachin interpretou as normas internacionais em face da Lei
da Ficha Limpa, quando o correto seria interpretá-las de acordo com o
princípio fundamental da soberania nacional, expressamente previsto no
artigo 1º, inciso I, da Constituição Federal, que proíbe ingerências
externas nos Poderes Constituídos, notadamente nas decisões do Poder
Judiciário.
Como já dito, o status do tratado internacional que não tenha sido
referendado por três quintos de cada casa legislativa em votação de dois
turnos, mesmo que de direitos humanos, tem status supralegal e não pode
se contrapor à Carta Magna (art. 5º, § 3º, CF).
Além do mais, o Comitê de Direitos Humanos da ONU é composto por 18
membros e somente dois proferiram a decisão liminar, sem ouvir o Governo
Brasileiro. Esses membros são peritos de diversos países e não
representam as nações que integram a ONU. O Comitê tem cunho
eminentemente administrativo e, por isso, suas decisões são meras
orientações e não vinculam os Países.
E olhem o absurdo. A decisão liminar foi proferida por apenas dois
integrantes do Comitê, que muito provavelmente não conhecem
adequadamente o sistema jurídico brasileiro, sem ouvir a parte
interessada, e o julgamento final somente ocorreria no ano que vem, após
a posse do novo Presidente.
Imaginem se Lula vence as eleições e o Comitê indefere a reclamação. O
fato já estaria consumado e eventual impugnação de sua candidatura
levaria à cassação de seu mandato, com consequências nefastas para o
Brasil, com risco, inclusive, de graves distúrbios internos ou pior
ainda.
Fachin atropelou o próprio tratado que fundamentou a decisão, que
exigia que todas as instâncias internas fossem esgotadas, e viu um
perigo na demora inexistente, pois absolutamente nada fora da legalidade
estava sendo feito.
Estaria presente, isso sim, o perigo de irreversibilidade da medida,
que qualquer estudante de direito sabe que impede a concessão de medida
liminar.
Poderia continuar a criticar a barbaridade da decisão, mas prefiro
dizer apenas que o voto proferido causou estranheza, pois partiu de
Ministro que tinha na mais alta conta.
Sei que a ideologia marca o espírito do intérprete e acaba sendo
levada em consideração na interpretação das normas. Mas a decisão
judicial não pode ser pautada na ideologia e sim na Constituição Federal
e nas demais normas do ordenamento jurídico.
Fachin, provavelmente, foi levado por sua ideologia, sabidamente de
esquerda, pois participou de comícios em prol do Partido dos
Trabalhadores.
Lamentável se isso tiver mesmo ocorrido, pois o Juiz, em todas as
instâncias, deve buscar o bem comum e interpretar a lei segundo as
regras de hermenêutica, não podendo ser levado a decidir por ideologias
ou outros sentimentos que não seja o ideal de Justiça.
A lei deve ser interpretada de acordo com a Constituição Federal e
não o contrário. Deixar dois técnicos de um órgão internacional
desconstituir decisões de todas as instâncias do Poder Judiciário
brasileiro, baseadas no sistema jurídico vigente, a ponto de permitir
que um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, com outros
processos e investigações pendentes por delitos tão ou mais graves,
concorra ao cargo máximo da nação, é um acinte à população, um tapa na
cara do cidadão de bem, ferindo, além de legalidade, a moralidade
administrativa.
A situação seria vergonhosa para o Brasil no cenário internacional e
nos traria descrédito, pois passaria para o mundo a ideia de que nosso
sistema judiciário não funciona e, por isso, teve de se submeter a um
órgão internacional composto por técnicos de outros países.
No entanto, venceu a Justiça e o bom senso, tendo o Ministro Barroso dado uma aula de direito.
Parabéns ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Brasil.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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