Luiz Holanda
Está ficando cada vez mais difícil aceitar a democracia tradicional num mundo em completa evolução. Diante da insegurança, das injustiças sociais, da impunidade, da corrupção institucionalizada, da anarquia e da violência generalizada, a visão predominante é que nesse tipo de regime todos os crimes podem ser praticados sem qualquer punição.
O que se vê atualmente é a tentativa de se adequar o exercício dos direitos fundamentais aos limites estabelecidos em lei para a manutenção da paz social. Até os Estados Unidos, que antes de Trump eram considerados a maior democracia do mundo, sentiram-se na obrigação de restringi-los depois do atentado de 11 de setembro.
Os meios utilizados para tanto tem como fonte a Doutrina do Choque, de Naomi Klein, cujos metodos estão sendo empregados para tirar alguns países da falência financeira e para lidar com o terrorismo que assola o mundo.
Segundo essa doutrina, que é uma espécie de filosofia do poder, a melhor maneira de se impor as idéias radicais da mudança é no período subseqüente a um grande choque, que tanto pode ser uma catástrofe econômica como uma guerra, desastre natural ou ataque terrorista.
Como esses fatos deixam a sociedade completamente desorientada e sem perspectivas, abre-se uma janela ás “gestões emergenciais”, introduzidas pelo que os economistas denominam de “terapia do choque econômico”, ou seja, uma cirurgia radical e profunda na economia, no direito e na vida social, como aconteceu na Rússia nos anos noventa.
Essa mesma cirurgia Paul Brenner tentou aplicar no Iraque por ocasião da invasão americana, quando os empresários e alguns membros do governo começaram a explorar o petrolo iraquiano como se fossem os verdadeiros proprietários.
Um dos defensores dessas idéias foi Milton Friedman, para quem, qualquer crise, real ou presumida, gera mudanças, e que as medidas adotadas para debelá-la dependem das idéias presentes na paisagem política do momento, e que isso significa “desenvolver alternativas às políticas existentes, mantendo-as ao alcance da mão até que o politicamente impossível se torne politicamente viável”.
Na América Latina essa doutrina foi empregada em Porto Rico, que criou o Conselho de Gestão e Supervisão Financeira com poderes para tirar o país da crise, inclusive o de fazer cortes na previdência social e fechar escolas públicas. No Brasil esse exemplo foi seguido com o congelamento dos gastos públicos por vinte anos, bem como com oleilão de aeroportos, usinas e outros ativos financeiros.
Como essas medidas implicam, de certo modo, na dispensa do legislativo do seu papel de regulador da economia e de determinados atos do governo, o presidente americano, George W. Bush, não esperou pelo Congresso para declarar “Guerra ao Terror”, utilizando justamente a doutrina do choque em resposta aos atentados de 11 de setembro.
Nessa época, os poderes do Departamento de Segurança Nacional americano foram ampliados, permitindo a prisão de muitos supostos terroristas em Guantânamo, onde as técnicas do manual “KubaK” foram utilizadas para obter confissões.
Esse manual recomenda que os acusados sejam aprisionados bem cedo, de preferência de madrugada, pois isso os pegariam de surpresa, além de obrigados a ficarem nus enquanto eram torturados.
Geralmente as crise oferecem meios de recuperação, mesmo que às custas de alguns direitos. Veja-se, por exemplo, a reconquista da democracia no Brasil. Ela foi resultado de um processo que durou trinta anos. Quando a sociedade começou a exigir as mudanças necessárias para o seu retorno, perdemos uma boa oportunidade de restabelecê-la nos moldes das grandes democracias do mundo.
Em vez disso, engessamos o governo de tal maneira que nenhum presidente pode governar sem as amarras que lhes foram impostas. Daí muitos defenderem a aplicação da doutrina do choque como meio de solução dos problemas que nos afligem. Se o retorno da democracia, por um lado, trouxe a liberdade e a garantia dos direitos humanos, por outro trouxe, também, a anarquia, a insegurança a corrupção e a impunidade dos criminosos.
Estamos a quase duas semanas de mais uma eleição que não é só presidencial, mas também para governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais. Entretanto, o povo só consegue se lembrar dos candidatos a presidente como salvadores da pátria, capazes de resolver todos os nossos problemas.
Muitos dos postulantes são velhos conhecidos: Marina Silva, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes já foram candidatos a presidente da República. Dos novos, embora conhecidos, temos Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e o senador Álvaro Dias. Os demais são praticamente desconhecidos, como João Amoedo, Henrique Meireles. João Goulart Filho e um tal de Boulos, que é pura anarquia.
A única mudança até agora está no eleitorado, pois a classe política continua a mesma. Daí sermos uma amostra da nova geração de insatisfeitos, tentando transformar nossa indignação numa ação politica que, pelo visto, só pode ser a aplicação da doutrina do choque com toda força que ela possua. O problema é saber se os militares apoiam.
Luiz Holanda é advogado e professor universitário
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