Ninguém sabe como Putin vai abandonar o poder, mas sabemos que a dependência em relação à China será uma das heranças mais pesadas que deixará ao seu sucessor. João Marques de Almeida para o Observador:
Quando
trabalhei em Bruxelas, na Comissão Europeia, recebemos uma delegação de
diplomatas e funcionários russos para uma reunião na véspera de uma
Cimeira entre a União Europeia e a Rússia. Depois da reunião, oferecemos
um jantar à delegação russa num restaurante no centro de Bruxelas.
Fiquei sentado ao lado de um diplomata russo que trabalhava sobre a
União Europeia.
No
fim do jantar, depois de uma conversa muito interessante com um
diplomata inteligente e culto, disse-me. “Sabe, tal como as pessoas, os
países têm dois tipos de problemas: os problemas sobre os quais falam
durante o dia, e os problemas que não os deixam dormir à noite. O nosso
problema do dia é o poder dos Estados Unidos. O problema da noite é o
crescimento da China.”
Lembrei-me
desta conversa quando vi as imagens da visita de Xi a Moscovo. A visita
de Xi nada tem a ver com o plano de paz proposto pela China, aliás uma
farsa diplomática. Como se pode chamar uma proposta de paz a uma
declaração que não exige a retirada das tropas ocupantes do território
ocupado? Uma potência ataca e ocupa cerca de 20% do território de um
país mais pequeno e mais fraco, e depois aparece uma segunda potência
que faz uma proposta de paz que consagra a ocupação territorial. E há
quem chame a isto paz.
Imaginem
dois vizinhos. Um deles tem uma enorme quinta, o outro tem uma casa
mais pequena com um jardim razoável. O dono da quinta grande resolve
ocupar parte do terreno do vizinho que se defende como pode, e com a
ajuda de outros vizinhos que não querem ver as suas casas ocupadas no
futuro. Entretanto chega o proprietário de outra quinta e diz “o dono da
quinta fica com o terrenho que ocupa, mas deixem de lutar.” Qual dos
leitores, se fosse o vizinho do grande proprietário, aceitaria a
proposta do outro grande proprietário? Por que razão a Ucrânia deveria
aceitar as propostas da China?
Obviamente,
a China não pediu a retirada das tropas russas da Ucrânia porque sabe
que não tem o poder suficiente para forçar Putin a retirar. O Presidente
russo também não quer um acordo de paz. Putin precisa do apoio militar
da China. Veremos se Xi aceita enviar material militar para a Rússia.
Mas enquanto decide, vai aprofundando a dependência da Rússia em relação
à China.
A
Rússia está a transformar-se num dos principais fornecedores de
matérias primas para a China, indispensáveis para a industrialização
chinesa. E Pequim está a tornar-se o principal investidor estrangeiro na
Rússia e o maior vendedor de tecnologia, como semi-condutores,
indispensável para manter o esforço de guerra.
Ninguém
sabe como Putin vai abandonar o poder, mas sabemos que a dependência em
relação à China (os nossos Marxistas domésticos ainda se lembram das
teorias da dependência?) será uma das heranças mais pesadas que deixará
ao seu sucessor.
A
aliança é entre Xi e Putin. De resto, há uma enorme desconfiança mútua
entre as elites económicas, militares e políticas dos dois países. A
China e a Rússia partilham uma das maiores fronteiras do mundo. Num
mundo multipolar, as hipóteses de conflitos entre potências vizinhas
aumentam consideravelmente. A China e a antiga União Soviética entraram
na década de 1960 numa camaradagem sem limites. Saíram da década com
confrontos armados na fronteira entre os dois países.
Postado há 4 days ago por Orlando Tambosi
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