O controle legislativo de ambas as Câmaras por parte da direita marca a continuação do bolsonarismo na política brasileira, independentemente do resultado do próximo dia 30 de outubro. João Pires para o Observador:
As
eleições do passado dia 2 de outubro traçaram um cenário peculiar e
inesperado no contexto político e partidário brasileiro. Se a segunda
volta era, de alguma forma, esperada, a resiliência do Bolsonarismo
demonstrou uma face transversal e menos personalista nas eleições para o
Senado e para a Câmara dos Representantes, e a Direita apresentou uma
dinâmica de vitória que irá pautar a agenda legislativa nos próximos 4
anos e que, em caso de uma eventual vitória de Lula na segunda volta,
irá exigir um apelo à governabilidade do passado de uma forma muito mais
sistemática. Entre dois populistas, as eleições brasileiras foram, como
todas, com derrotados e vencedores, com um pano de fundo interessante –
a reduzida tensão política em termos de confrontos.
O
Brasil atravessa, hoje, um dos períodos políticos mais conturbados da
sua recente democratização. A vitória de Bolsonaro, em 2018, representou
um corte com uma governação de Lula e Dilma que culminou num processo
de impeachment desta e que foi seguida por um período, não legitimado do
ponto de vista democrático e de oblíquo apoio popular, de Michel Temer e
do PMDB, marcando uma dinâmica de rutura com a «velha Política» que
governou o «quase-continente» durante todo este período. Após 4 anos de
significativas polémicas e da acentuação de uma polarização, reforçada
por uma política interna mobilizada por apenas dois vetores, desde a
descondenação de Lula por parte do STF e por uma governação combativa do
(ainda) atual Presidente, a longa estrada trilhada em direção ao
momento eleitoral de 2022 avizinhou-se uma das menos institucionais e
mais agressivas do período da democratização. As eleições brasileiras
foram claras nesse sentido – e declararam vencedores e vencidos.
Os vencedores – o bolsonarismo em contexto legislativo e estadual, a Direita, de uma forma mais geral (e moderada) e a Lava-Jato
Os
vencedores da noite eleitoral foram os candidatos bolsonaristas em
contexto legislativo e estadual, com a eleição de 99 deputados pelo
Partido Liberal no contexto da Câmara dos Representantes e com
desempenhos acima das expectativas por parte de aliados cruciais do
atual Presidente – como a vitória de Onyx Lorenzoni no contexto das
eleições para o cargo de Governador no Rio Grande do Sul, a reeleição de
Cláudio Castro para o governo de um dos Estados mais relevantes do País
e a vitória de Tarcísio de Freitas no contexto paulista. Mesmo apesar
do compasso de espera anexado à necessidade de segunda volta para alguns
aliados cruciais do Presidente Bolsonaro, a expressão das suas votações
em contexto de primeira volta denota um enraizamento maior deste
fenómeno no contexto estadual quando comparado com o PT e demonstram um
alinhamento com a agenda política levada a cabo pelo Presidente durante o
último mandato.
Assim,
o controlo legislativo de ambas as Câmaras por parte da Direita e,
concretamente, com uma grande influência de candidatos assumidamente
conotados com o candidato paulista pautam a manutenção de uma agenda
legislativa que lhe é favorável, marcando uma composição institucional
muito aguerrida no caso da eleição do ex-Presidente Lula em segunda
volta e marcando a continuação do Bolsonarismo na política brasileira,
independentemente do resultado do próximo dia 30 de outubro, com uma
projeção para os próximos 4 a 8 anos que poderá, num contexto futuro,
mobilizar um dinamismo de reação à maquina institucional do Partido dos
Trabalhadores e da restante esquerda brasileira e manter uma
competitividade, conforme afirmava Mudde, ainda mais acentuada nesse
período do que no âmbito político atual, especialmente face a um
possível desgaste das principais figuras de esquerda, que se alinham, na
contemporaneidade, excessivamente em torno de Lula, como Haddad.
Numa
última nota, a eleição de Sérgio Moro para o Senado pelo Paraná, com a
derrota do candidato do PL Paulo Martins, e a eleição, em primeiro
lugar, de Deltan Dallagnol, em superioridade em relação a nomes sonantes
como Gleisi Hoffmann afirmam a resiliência e a integridade, aos olhos
dos paranaenses (e do restante Brasil), do processo Lava-Jato e do
combate à corrupção em grande escala no Brasil, contando, agora, com
dois quadros de peso no poder legislativo com uma agenda extremamente
válida nesse sentido e que poderá projetar uma terceira via no
curto-prazo, em função do desempenho dos dois parlamentares em ambas as
Câmaras e em função da manutenção do seu maior (ou menor) ímpeto
jurídico durante os 8 (ou 4) anos dos seus mandatos.
Os derrotados – o Partido da Social Democracia Brasileira e as sondagens
O
principal derrotado da noite terá de ser, certamente, o PSDB, que cai
como vítima da crescente polarização e da traição bruteana de um dos
seus quadros mais importantes – agora vice da candidatura do
ex-presidente de Pernambuco, Geraldo Alckimin – e que, por consequência,
perde o seu bastião mais importante desde 1994 – o Governo de São Paulo
– com um pobre terceiro lugar de Rodrigo Garcia. A somar a este
resultado desastroso, os tucanos conseguem uma segunda volta menos
confortável do que o esperado no Rio Grande do Sul, com Eduardo Leite a
apresentar um resultado abaixo do esperado para um incumbente, e não
elegem qualquer senador, o que confirma uma perda chocante de
prevalência no poder legislativo em função da pequena bancada de 13
deputados na Câmara dos Deputados, colocando em causa o futuro do
Partido e, no fundo, mostrando que a sigla se apresenta cada vez menos
adaptada, como terceira via, a um cenário profundamente bipolar na
Política Brasileira, sem a característica centrista distintiva dos
peesedebistas.
Outrossim,
as sondagens apresentaram novo falhanço chocante – e com possível
influência nos resultados da primeira volta, em Estados de dimensão
significativa, como São Paulo, e a nível nacional. Se as razões para
este falhanço são algo incertas, apontando-se um eleitorado
profundamente descrente nestas e possibilitando-se a concretização de
uma profecia auto-cumprida como possibilidade mais premente, as
entidades reguladoras deste tipo de procedimentos, em linha com exemplos
norte-americanos e europeus, deverão repensar o seu papel e o seu modo
de atuação, reforçando-se metodologicamente ou preservando-se, à
semelhança de Itália, com um fim mais atempado da publicação de
sondagens anteriores a um momento eleitoral concreto. O peso destas na
sociedade acarreta uma responsabilidade considerável no cenário político
democrático, pelo que urge uma reorientação que leve esse papel em
linha de conta e que, por conseguinte, promova uma mudança no seu modo
de operação.
É
evidente que o momento eleitoral brasileiro se apresentou como um
momento de suma importância, com uma concretização, em termos de
resultados, que marca uma liderança do ex-presidente Lula para a segunda
volta e que, portanto, o transladam como favorito neste contexto
eleitoral específico. Ainda assim, a aproximação do Presidente
Bolsonaro, face aos resultados das sondagens, do pernambucano e o sweep
materializado em contexto legislativo mantém tudo em aberto para uma
segunda volta que acarreta, naturalmente, um risco profundamente
acrescido em termos de violência e acentuação da polarização nas ruas e
na política brasileira, de uma forma geral. Como observadores
independentes, só podemos esperar que vença a democracia e o exercício
pacífico do direito ao voto e do direito à escolha dos representantes
políticos de futuro num país tão relevante como o Brasil. E este voto de
esperança não está necessariamente dependente de quem ganha.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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