Governo
desastroso é rapidamente eliminado, numa prova de que parlamentarismo é
mais rápido em momentos perigosos - e já tem até um substituto à
espera. Vilma Gryzinski:
O mercado venceu, diriam esquerdistas. Graças a Deus, diria o outro lado.
Graças também ao sistema parlamentarista foi possível encerrar os 45 dias de governo de Liz Truss, a breve, sem que a crise empurrasse a Grã-Bretanha para o abismo.
Relembrando:
ela foi escolhida em setembro por 81 326 membros registrados do Partido
Conservador, depois que os políticos profissionais “tiveram uma
conversa” com Boris Johnson, explicando que sua situação estava insustentável.
A mesma “conversa”, em condições muito mais críticas, foi tida com Liz Truss, levando-a a renunciar.
O
que ela fez de errado será discutido por muito tempo – visto que não
mentiu, não roubou e não se envolveu em escândalos. O fator mais
arrasador foi a reação do mercado ao programa econômico que cortava
receitas, via diminuição de impostos na casa dos 70 bilhões de dólares, e
não criava ingressos fora dos papéis pintados que os governos compram
para se bancar quando não têm outros recursos.
A credibilidade é a alma desse negócio – e as propostas heterodoxas de Liz Truss não passaram no teste.
O
derretimento foi rápido e incontrolável. A libra caiu, o banco central
teve que interferir para salvar fundos de pensão, a cabeça do ministro
da Economia foi ofertada em sacrifício, as reformas foram jogadas foras,
as dissensões internas entre conservadores chegaram ao ponto de gritos e
empurrões numa fatídica sessão parlamentar ontem.
Jeremy
Hunt foi imposto à primeira-ministra como responsável pela economia,
mas teve tempo apenas de rasgar o programa rejeitado.
O
próprio Hunt gosta de dizer que “os governos não controlam os
mercados”. E os menos crédulos concluíram que nem mesmo ele, escalado
estava dominando a dinâmica. “Estava sendo guiado pelas instituições do
Estado às quais se credita um entendimento melhor dos mercados”,
escreveu, eufemisticamente, James Forsith na Spectator. Entre elas, o
Banco da Inglaterra, matriz de todos os bancos centrais, e o
Departamento de Responsabilidade Fiscal.
O
caso Truss ilustra, de forma extremamente didática, as vantagens e
desvantagens do sistema parlamentarista, uma criação inglesa que se
propagou pelo mundo. Entre as desvantagens, o chefe do partido que tem
maioria no Parlamento pode chegar ao governo sem a força do voto
popular, como foi o caso de Liz Truss. Isso o enfraquece
intrinsecamente.
Em
países com múltiplos partidos, pode ser impossível formar uma maioria,
como acontece com Israel, levando a eleições sucessivas cada vez que um
ou dois parlamentares saem da coalizão no poder.
Na
Itália, desde Silvio Berlusconi não havia um primeiro-ministro amparado
pelo voto popular. E não é impossível que Giorgia Meloni, a candidata
da direita nacionalista, não consiga formar governo. O próprio
Berlusconi, que voltou ao Senado e integra da coalizão de direita, está
sabotando a sua aliada. “Teimosa, prepotente, arrogante e ofensiva”,
escreveu ele num papel ostensivamente mostrado às câmeras, depois que
Giorgia Meloni não aceitou o nome que indicou para ministro das Relações
Exteriores.
Adjetivos
muito parecidos foram empregados para descrever Liz Truss e seu
programa – “jihadista” ou ingênuo, escolham o pior – de incentivo ao
crescimento econômico sem levar em conta todos os fatores envolvidos.
A
rapidez com que foi riscada do mapa mostra a vantagem do
parlamentarismo. Quando a crise é grande demais, o próprio partido no
poder consegue resolvê-la, pelo menos teoricamente. Não é preciso
impeachment nem acordo com o Centrão, formas conhecidas pelo
presidencialismo brasileiro.
A
intervenção é movida pelo instinto de sobrevivência. Os parlamentares
conservadores não só estavam vendo o governo levar o país para o abismo,
como suas próprias carreiras acabarem. As pesquisas mais recentes davam
51% dos votos para a oposição do Partido Trabalhista na próxima
eleição, em 2024, e abissais 23% para os tories, como os conservadores
são chamados. Com espaço para cair mais.
Diante
do tamanho da crise, a eleição do novo líder do Partido Conservador,
que se torna automaticamente primeiro-ministro, será num prazo recorde,
possivelmente de uma semana.
O mais cotado é Rishi Sunak.
Ele era o preferido dos políticos profissionais, mas Liz Truss encantou
as bases falando o que mais gostam de ouvir: menos taxação e menos
intervenção do Estado.
Rishi,
ao contrário, disse, como ministro da Economia e como candidato, que os
impostos tinham que subir para compensar o rombo causado pela pandemia e
outras despesas criadas pelo efeito Ucrânia.
Quem
gosta de ouvir que vai ter que contribuir mais? E ainda por cima falado
por um milionário que usa mocassins Prada para visitar um canteiro de
obras?
Rishi
Sunak fez fortuna no mercado financeiro e se casou com a filha de um
bilionário – ambos são de origem indiana. O que era um ponto contra pode
ter virado um ponto a favor.
Se
os parlamentares conservadores se unirem em torno de um só candidato, a
questão estará resolvida mais rapidamente. Já aconteceu antes.
Se Boris Johnson, como se especula no momento, quiser voltar à arena, a novela vai ficar mais animada.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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