O clima de “já ganhou” nos corredores de Washington é tão generalizado que não se discute ou negocia mais nada sem considerar que o próximo presidente do Brasil será o petista. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Qualquer
um que acompanha o mínimo sobre a política brasileira no exterior já
leu ou já ouviu afirmações de que, se derrotado, o presidente Jair
Bolsonaro não entregará o poder. Há meses, por sinal, a conjunção
subordinativa condicional “se” nem aparece mais nas afirmações cada vez
mais comuns e nos mais diversos idiomas. O que era uma dúvida virou uma
certeza. Bolsonaro vai perder a eleição e dará um golpe. De Washington a
Pequim, o clima é de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já
ganhou. Mas há uma pergunta necessária que até agora ninguém fez para
Lula e as instituições brasileiras: e se Bolsonaro vencer a eleição?
Os
institutos de pesquisa, os analistas de vários dos principais meios de
comunicação, os relatórios dos bancos sustentam que a questão acima não é
necessária. Afinal, a eleição deste domingo é apenas uma formalidade.
“Lula já ganhou”.
Mas volto à pergunta: E se Bolsonaro vencer a eleição?
Lula,
os partidos que lhe dão sustentação, os movimentos de esquerda, as
instituições (entre as quais é preciso ressaltar o Supremo Tribunal
Federal e suas linhas auxiliares no Tribunal de Contas da União e
Congresso) e a imprensa estarão dispostos a aceitar o resultado?
Essa
é uma pergunta necessária, mas que vem sendo negligenciada. Por mais
incômodo e improvável que possa parecer para muitos, Bolsonaro pode
vencer a eleição. Caso o improvável aconteça, como o resultado das urnas
será encarado?
A
eleição de Bolsonaro em 2018 não só surpreendeu, como chocou, quem
apostou na infalibilidade das sondagens. Problema também registrado nos
Estados Unidos, em 2016, quando Donald Trump venceu uma eleição que era
considerada “garantida” para a sua opositora, a democrata Hillary
Clinton.
Não
se trata de duvidar dos institutos que tentam prever os resultados com
base em entrevistas e métodos estatísticos. Mas não é nada razoável
tratar como dogma o que pretende ser visto com ciência. A dúvida, nesses
casos, é mais do que necessária. É virtude.
O
clima de “já ganhou” nos corredores de Washington, D.C. (lembre-se de
que estou falando de Lula, obviamente), é tão generalizado que não se
discute ou negocia mais nada sem considerar que o próximo presidente do
Brasil será o petista.
A
recente eleição para a diretoria da Organização Panamericana de Saúde
(Opas) talvez seja o melhor exemplo. O brasileiro Jarbas Barbosa foi
eleito com o apoio dos bolivarianos. Ex-membro da direção nacional do
PT, foi carreado até a direção da Opas pelos padrinhos petistas. Além do
próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que endossou a candidatura
e determinou que se movesse céus e terra para angariar os votos
necessários, o petista teve o apoio irrestrito do colombiano Gustavo
Petro, que retirou o apoio ao candidato de seu país e orientou sua
diplomacia a trabalhar pelo PT; e do mexicano Andrés Manuel López
Obrador, que fez o mesmo em favor de Barbosa.
Sem falar, é claro, do apoio e voto de Cuba, que tem na Opas uma espécie de sucursal de seus interesses em Washington.
Não
é diferente na indústria do lobby. Em entrevista ao jornal Valor, o
lobista Thomas Shannon, que já teve em sua carteira o presidente da
Argentina, Alberto Fernández, e o de El Salvador, Nayib Bukele, não
esconde a torcida por Lula. Para Shannon, que foi embaixador dos Estados
Unidos e ocupou temporariamente a função de secretário de Estado, há
uma expectativa pela volta de Lula. Segundo ele, o “Lula é bem conhecido
pelo governo dos EUA, tanto por republicanos quanto por democratas. Os
EUA tiveram uma relação muito produtiva [com o Brasil] durante sua
presidência”.
Muita gente pensa assim. Assim como muitos pensam que a capital do Brasil é Buenos Aires.
A
democracia brasileira está definitivamente sob teste. E uma das
questões é: e se Bolsonaro vencer? Nesse cenário absurdo para muitos, a
vontade da maioria vai desagradar pesos-pesados de Brasília. Estariam
eles dispostos a se sujeitar ao resultado? Ou, para “salvar a
democracia”, vale matá-la e depois esperar que ela ressuscite?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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