Os franceses desesperados têm tido que substituir a mostarda por wasabi ou tahine — a maior humilhação nacional desde que Coco Chanel virou amante do Barão Hans Günther von Dincklage, espião da Gestapo. A crônica de Alexandre Soares Silva para a Crusoé:
As
pessoas começam uma guerra na melhor das intenções, achando que tudo
vai ser alegria, e, quando vão ver, a guerra acarreta uma crise sem
precedentes de condimentos nos restaurantes franceses.
Estamos vivendo agora o que os livros de história vão chamar de A Grande Crise da Mostarda de 2022.
Se,
por exemplo, você for de manhã bem cedo para a famosa moutarderie Chez
Edmond Fallot em Dijon ou Beaune, vai encontrar uma fila de quinze
franceses e turistas já esperando que a porta abra, todos eles com os
olhos cheios de desespero e esperança, seus filhos nos seus colos
chorando de fome e frio; e assim que a loja abrir você vai descobrir,
pelas exclamações de “não é possível!” e “Meu Deus da França!”, que a
mostarda continua a faltar naquele país.
O
que acontece é uma crise na produção de mostarda no Canadá, devido à
seca; em segundo e terceiro lugar na produção de sementes de mostarda
estão a Rússia e a Ucrânia, e a guerra e o embargo estão impedindo a
importação.
Quem
imaginaria essa consequência trágica? Chefs franceses famosos estão
pedindo ao público que doe ou venda seus potinhos de mostarda para os
restaurantes, numa campanha pública que às vezes parece, na intensidade e
emocionalidade, as campanhas para doações que acontecem depois de
cheias e terremotos. E os franceses desesperados têm tido que substituir
a mostarda por wasabi ou tahine — a maior humilhação nacional desde que
Coco Chanel virou amante do Barão Hans Günther von Dincklage, espião da
Gestapo.
Alguém
pode me perguntar se não tenho nada mais importante para comentar do
que uma crise da mostarda, “com tantas coisas graves acontecendo”, como
se diz; mas se você não acha essa tribulação gastronômica grave e
preferia que eu falasse do meme cretino dos 13 livros vermelhos, não sei
o que dizer. De qualquer forma, os jornais franceses têm falado disso
durante dias. Franceses depauperados vagam pelas ruas e pelos campos,
como zumbis, privados há semanas de Poulet à la Moutarde, Filet Mignon
au Poivre e da deliciosa Choux de Bruxelles à la Moutarde Façon
Funambuline. Há dias estão reduzidos a comer molho vinaigrette sem
moutarde fine.
A
verdade é que nunca podemos saber todas as consequências das políticas
que defendemos, e o que me surpreende é que aparentemente mesmo uma
coisa tão benigna e bem-intencionada como uma guerra pode ter
consequências ruins.
***
Mas imagino que queremos falar das eleições.
De
modo geral, todas as escolhas que as pessoas fazem que não são as
escolhas que eu faria se estivesse na situação delas me parecem
obscenas, grotescas e imperdoáveis. Minha vontade é sempre romper o
contato com todo mundo que não tomou o mesmo caminho que eu tomaria em
todas as bifurcações que se lhe apresentaram na vida.
Se
eu for confessar, a verdade é que não ser eu às vezes me parece um
negócio hediondo. Há um horror metafísico em olhar pra alguma coisa que
não sou eu.
Desculpe
a sinceridade, mas que coisa bizarra você não ser eu. Ter escolhido ser
outra pessoa que não eu me parece uma decisão absurda. Pense bem na
sequência lamentável de decisões erradas que o levaram a ser você, e
portanto não eu. Tire uns vinte minutos de reflexão acabrunhada.
Tendo
dito isso, ok, tudo bem, fique à vontade para votar num candidato em
quem eu jamais votaria. Continuamos amigos. Eu, como você, estou lutando
com dificuldade (mas vencendo! ainda vencendo!) contra a minha própria
intolerância natural. Parabéns pra nós dois.
Ó
você quem quer que seja, leitor da Crusoé ou meu amigo de internet, uma
verdade sobre eu e você é a seguinte: nosso espanto mútuo com as
escolhas um do outro é provavelmente uma das únicas coisas que temos em
comum, e que nos assemelhará para sempre.
***
O
desejo sexual faz com que o homem olhe para uma mulher bonita e veja
uma espécie de pudim ambulante, e é com esforço que ele tem que lembrar
que aquele pudim tem alma, opiniões, talentos etc. Com o tempo ele
aprende que o pudim fica bravo quando suas opiniões não são ouvidas, e
passa a respeitar essas opiniões, até sinceramente; mas enquanto ouve as
opiniões políticas do pudim está perturbado pelo jeito que a calda
escorre pela sua superfície branca e porosa; sua atenção está dividida, e
não de jeito igual; o pudim percebe a distração e exige que ele repita o
que acabou de falar; o homem não consegue, ou consegue mais ou menos, o
que é pior; o pudim está furioso; o pudim está se organizando
politicamente, escrevendo colunas indignadas de jornal, citando outros
pudins do movimento de libertação dos pudins; alguns homens se submetem e
andam com camisetas dizendo O FUTURO É DOS PUDINS; mas todos, os
respeitosos e os não respeitosos, os admiradores dos pudins e os boçais
inimigos dos pudins, estão com grossos filetes de baba escorrendo pelo
queixo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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