Está tudo programado para que a Olimpíada de Inverno em Pequim seja uma grande vitória de soft power para o presidente chinês Xi Jinping. E ai de quem sair da pista. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
A
China deu a largada para os Jogos Olímpicos de Inverno 2022, sediado em
Pequim, na última sexta-feira (4), com o objetivo de deixar a política
de fora e focar na beleza do esporte e na demonstração de disciplina e
capacidade de organização do país. Assim como ocorreu nos Jogos de Verão
de 2008, o regime chinês aposta que as críticas e os protestos contra a
violação de direitos humanos vão desaparecer ou perder os holofotes
quando esquiadores e esquiadoras começarem a deslizar pela neve
artificial. Este ano, o controle sobre a imagem que o país quer passar
para o mundo na Olimpíada de Inverno ganhou um aliado: a pandemia do
coronavírus.
As
autoridades chinesas e do comitê olímpico local transferiram para os
Jogos a estratégia de "covid zero" que foi adotada nacionalmente desde o
início de 2020. Uma estratégia que extrapola os limites do razoável,
que vai muito além da simples exigência de uso de máscaras ou de
fechamento de atividades. Uma estratégia em que o controle do vírus não
está a serviço do bem estar das pessoas, e sim o contrário. É a vida das
pessoas que está a serviço do controle do vírus.
Dos
poucos relatos que furam a censura estatal e chegam ao conhecido do
mundo, tem-se desde um cidadão que não foi salvo de um infarto porque os
funcionários de um hospital consideraram que ele vivia em um zona com
incidência média de casos de covid à grávida com complicações que teve
internação recusada e perdeu o bebê porque o seu teste negativo da
doença foi considerado inválido, passando por cidadãos que são presos e
espancados por guardas por furar a quarentena para comprar comida.
Os
atletas estrangeiros que estão na China para a Olimpíada de Inverno e
que testaram positivo para covid-19 nos últimos dias estão tendo um
gostinho da truculência e do descaso das autoridades chinesas com quem é
obrigado a entrar em isolamento.
Falta
de informação, decisões arbitrárias, tratamentos desiguais para uns e
outros e dieta de fome: eis um resumo do que esses atletas têm
enfrentado.
A
biatleta russa Valeria Vasnetsova expôs em sua conta no Instagram a má
qualidade da alimentação que ela recebe nas três refeições diárias no
quarto de um dos hotéis dedicados exclusivamente à quarentena de
esportistas, equipe técnica e funcionários dos Jogos. A única coisa
comestível era um macarrão puro, sem molho. Ela relatou que perdeu peso e
que estava passando mal — não de covid, mas de dor de barriga causada
pela comida.
Vasnetsova
resolveu olhar as bandejas de comida que eram deixadas na porta de
outras pessoas em quarentena no mesmo hotel e descobriu que a
alimentação destinada a técnicos e staff dos jogos era consideravelmente
melhor. Acontece que o comunismo ancora-se em argumentos de igualdade,
mas como todo totalitarismo é pródigo em criar castas de privilegiados.
(Depois
da reclamação, um integrante da delegação russa tratou de anunciar que o
tratamento dispensado a Vasnetsova havia melhorado. A Rússia tem na
China um grande aliado na pendenga com o Ocidente na Ucrânia e também
costuma ser punitiva com esportistas rebeldes.)
Outros
atletas fizeram relatos semelhantes ao de Vasnetsova. A belga Kim
Meylemans, depois de um período em quarentena, foi colocada em uma
ambulância e levada, sem qualquer aviso ou justificativa, para outro
local de isolamento. Ela pensava que estava sendo enviada de volta para a
vila olímpica.
Apesar
das medidas, os casos de covid-19 na Olimpíada de Inverno aumentam a
cada dia. Foram 45 novos casos confirmados só no dia da abertura
oficial.
E
há também a preocupação com o big brother chinês. Atletas estrangeiros
foram orientados por organizações de direitos humanos a só fazer
declarações de cunho político depois de encerradas as competições — e
quando estiverem seguros em seus países.
A
delegação britânica sugeriu aos seus atletas que não usem seus
celulares pessoais na China e ofereceu a eles aparelhos para serem
usados exclusivamente ao longo dos Jogos. Também foi dado o alerta de
que aplicativos oferecidos pela organização da Olimpíada poderiam ser
usados para roubar informações pessoais dos competidores internacionais,
inclusive dados de saúde.
O
Comitê Olímpico Internacional (COI) proíbe manifestações políticas nos
Jogos, mas as autoridades esportivas chinesas vão além. Um integrante do
comitê chinês disse, explicitamente, que comportamentos e falas que
violem o "espírito olímpico" serão "punidos de alguma forma".
Para
atletas que já estão confinados em uma bolha olímpica, com a desculpa
de se evitar contaminações por covid-19, a ameaça preventiva tem tudo
para surtir efeito. O regime chinês é eficiente no controle político e
social. A pandemia forneceu-lhe alguns instrumentos a mais.
Mesmo
com a retórica de que a política ficaria de fora da Olimpíada de
Inverno, já na abertura dos Jogos o regime chinês tratou de fazer
propaganda destinada a combater críticas externas a um dos exemplos mais
repugnantes de abusos contra sua população: a opressão aos uigures, uma
minoria muçulmana submetida a prisões arbitrárias, esterilizações
forçadas e outras formas de perseguição.
Como
se fosse uma escolha ao acaso, a China colocou a esquiadora
cross-country Dinigeer Yilamujiang, da etnia uigur, para acender a pira
olímpica. O fato de Yilamujiang integrar a delegação chinesa obviamente
não prova que as acusações de perseguição aos uigures, um dos motivos
pelos quais muitos líderes mundiais fizeram boicote diplomático à
abertura da Olimpíada de Inverno, são falsas.
O regime chinês quer fazer crer que sim.
Está
tudo programado para que a Olimpíada de Inverno em Pequim seja uma
grande vitória de soft power para o presidente chinês Xi Jinping. E ai
de quem sair da pista.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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