BLOG ORLANDO TAMBOSI
A dança dos impérios não para e o acordo entre China e Rússia é uma guinada geoestratégica que pode levar a abusos e instabilidade. Vilma Gryzinski:
Enquanto
o mundo se encanta com a abertura da Olimpíada de Inverno orquestrada
pelo cineasta Zhang Yimou e se espanta com o restritivo universo
paralelo criado para isolar os participantes da competição, a história
dá uma acelerada.
O
retrato desse avanço é o encontro entre Xi Jinping e Vladimir Putin,
politicamente a única coisa que importa nessa Olimpíada. “Sem
precedentes”, nas palavras do próprio presidente russo ao desembarcar em
Beijing.
A
aproximação entre os dois maiores autocratas do mundo, já acorada num
acordo para comércio bilateral nas respectivas moedas, tem consequências
tremendas. A curto prazo, a maior delas é na Ucrânia.
A
coisa que Putin mais teme se resolver usar a força contra a Ucrânia é a
eliminação da Rússia do SWIFT, o sistema de mensagens entre
instituições financeiras que permite todas as compensações bancárias
internacionais. Sair dele é virar um pária, como aconteceu com o Irã – e
não existe petróleo que dê jeito.
O
acordo de comércio direto entre Xi e Putin já permite abrir uma “porta
dos fundos”, um caminho para pelo menos atenuar o impacto de futuras
sanções econômicas.
A
aproximação cuidadosamente encenada na abertura da Olimpíada significa
que China endossa um eventual uso da força contra a Ucrânia?
Absolutamente. O regime chinês tem interesse em não precipitar
instabilidades que podem se voltar contra ele próprio, considerando-se o
sistema de dominó que amarra todas as economias e suas próprias
fragilidades internas.
Mas
também não acha nada ruim ver os Estados Unidos numa situação altamente
incômoda: o presidente é impopular, as divisões internas são profundas,
a covid não dá folga, a dívida bateu nos 30 trilhões, a inflação está
subindo e tudo o que Joe Biden não precisa é um conflito na Ucrânia,
onde os americanos não querem ver um único compatriota arriscando a
vida, mesmo que seja para defender a manutenção da ordem mundial
pós-Guerra Fria – um conceito de difícil entendimento para o público
comum.
Enfraquecer os Estados Unidos é o objetivo conjunto do que vem sendo chamado de “pacto das autocracias”.
“O
senhor Putin já mandou a cautela pelos ares e vendeu para a China caças
SU-35 e sistemas de mísseis defensivos S-400, sabendo muito bem que os
chineses vão copiar a tecnologia”, escreveu no Telegraph o colunista
Ambrose Evans-Pritchard.
Foi
ele quem lembrou do livro de Vladimir Sorokin, O Dia do Oprichnik, de
2006. O escritor cria um futuro distópico em que a Rússia voltou a ser
um império com um czar absolutista onde as fontes de ingressos são os
recursos naturais e as taxas cobradas dos caminhões que trafegam por uma
supervia transportando produtos da China para a Europa –
impressionantemente parecida com a Nova Rota da Seda, o mais importante
projeto geoestratégico da China.
Ser
o parceiro mais fraco de uma aliança em que entra com gás e petróleo,
as commodities que seguram a Rússia, não parece incomodar Vladimir
Putin. O importante é não levar um ippon dos Estados Unidos – um campo
que ele domina como praticante de judô, tanto da luta marcial quanto das
jogadas estratégicas no tatame mundial.
Irá
Putin “estragar” a Olímpiada de Inverno, na qual a China investiu
tanto, e invadir a Ucrânia? Terá coragem de começar uma guerra de
agressão aberta e declarada? Vai recorrer a alguma outra alternativa,
como a propagada pelos Estados Unidos, de armar um falso ataque a
ucranianos de origem russa para justificar uma intervenção?
Putin
escreveu um artigo para a Xinhua, a agência oficial de notícias da
China, sobre “a nova era” da parceria estratégica entre os dois países e
está sendo glorificado pela máquina estatal de propaganda.
Uma
reportagem no Guardian lembra que este mês se completam os cinquenta
anos do encontro entre Richard Nixon e Mao Tsé Tung, a abertura para a
China que “mudou a geometria da Guerra Fria”.
Esse
negócio de “mudar geometria” está voltando e, ao contrário do que
aconteceu com a visita de Nixon, tornando o mundo um lugar mais
perigoso. A nova era de Pax Sinica, ou paz chinesa, seria baseada num
cinismo monumental se endossasse a perda de soberania da Ucrânia, em
qualquer grau, e desatasse um estado de emergência generalizado em
outros antigos satélites soviéticos na Europa Oriental.
Concretamente,
como seria essa mudança? O Financial Times fez um resumo: “Beijing e
Moscou alegam que a ordem mundial atual é caracterizada pela tentativa
americana de impor ideias ocidentais sobre democracia e direitos humanos
a outros países, se necessário através de intervenção militar”.
“A
nova ordem mundial que Rússia e China reivindicam seria baseada em
distintas esferas de influência. Os Estados Unidos aceitariam o domínio
russo e chinês de suas regiões e abandonariam o apoio à democracia ou as
revoluções coloridas que possam ameaçar Putin ou Xi”.
Em outras palavras, os Estados Unidos encolheriam; Rússia e China se expandiriam.
Boa Olimpíada para todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário