Falar mal dos Estados Unidos em Moscou foi apenas um dos lances de Alberto Fernández; mais importante é entrar para a turma dos aliados de Beijing. Vilma Gryzinski:
Estão achando ruim a visita do presidente brasileiro a Moscou em plena crise com a Ucrânia?
Consolem-se:
Alberto Fernández não só foi se encontrar com Vladimir Putin na toca do
urso como falou que a aproximação com a Rússia era boa para um país que
precisa se desligar da influência dos Estados Unidos e do Fundo
Monetário Internacional. Também ofereceu seu país como “porta de entrada
à América Latina”.
Detalhe:
a Argentina tinha acabado de fechar um acordo com o FMI para não
escorregar de novo para o lugar habitual, de pária do mercado. O apoio
americano foi fundamental.
“Cuspiu na mão que estendemos”, resumiu para o La Nación um diplomata americano.
O
agrado gratuito a Putin tem uma explicação (mas não uma justificativa).
Fernández está toureando a mais previsível das crises, dentro de seu
próprio partido. Máximo Kirchner, que a mamita vê como herdeiro do clã,
renunciou ao comando dos deputados governistas em protesto contra o
acordo com o FMI, mesmo em condições relativamente favoráveis para a
Argentina.
Fazer
barretadas à Rússia pode passar, para os mais entusiasmados, por
“política externa independente”, mesmo que a independência seja limitada
pela economia acuada e outros problemas autoprovocados.
Menos
retórico foi o acordo que Fernández selou em Beijing para o ingresso
oficial da Argentina na Nova Rota da Seda, o plano mundial para a
construção de vastas obras de infraestrutura, de portos e ferrovias a
corredores digitais, para ampliar o comércio – e a influência – da
China.
O
plano prevê investimentos de 23 bilhões de dólares na Argentina, um
dinheiro caído do céu para um país que colocou a si mesmo, com seus
fabulosos recursos naturais, numa situação de exclusão.
O dinheiro irá para projetos de infraestrutura, energia e transporte.
Pouco
antes, separadamente, o governador da província de Buenos Aires, Axel
Kicillof, havia finalizado um acordo com a China para a construção da
terceira usina nuclear argentina, Atucha III, num total de oito bilhões
de dólares.
Obviamente, tudo que envolve energia nuclear tem importância estratégica.
Caracteristicamente,
Fernández disse a Xi Jinping que “se fosse argentino, seria peronista”.
Já o embaixador Sabino Via Narrava foi mais adiante no servilismo e
disse, em mandarim: “Sem o Partido Comunista, não haveria uma Nova
China”.
A
Argentina é o maior país latino-americano a entrar oficialmente na
esfera de influência da China e, pela proximidade e intensidade das
relações diplomáticas e comerciais com o Brasil, isso obviamente se
reflete além de suas fronteiras.
A
expansão da influência chinesa, via os trilhões de dólares,
literalmente, que enchem as reservas internacionais, começou pela
América Central e Caribe e está se espalhando pela América do Sul. Já
entraram para a Nova Rota da Seda (OBOR, na sigla em inglês) Panamá,
Costa Rica, El Salvador, Trinidade e Tobago, Dominica, Granada, Antigua e
Barbuda, República Dominicana, Barbados, Jamaica, Cuba, Suriname,
Bolívia, Guiana, Venezuela, Uruguai, Chile, Equador e Peru.
É
uma lista impressionante, prova da ambição do projeto geoestratégico
chinês. O dinheiro, obviamente, não é dado de mão beijada e os acordos
estão cheios de cláusulas sigilosas, proibindo sua divulgação. Corre nos
bastidores da diplomacia que muita gente vai chorar de saudades do FMI
quando achar que pode dar calote nos chineses.
Dizer
que o mais recente acordo colocou a China no quintal do Brasil é uma
forma de expressão, produto da geografia, que não implica absolutamente
em desmerecer a importância da Argentina. Justamente por causa dela, o
novo alinhamento coloca no tabuleiro regional aspectos fundamentais do
relacionamento bilateral, inclusive o Mercosul.
Procurar
novas fontes de financiamento é um direito, se não dever, dos países
que precisam de dinheiro para se desenvolver. Também é dever de países
vizinhos analisar e entender o que grandes realinhamentos significam
para eles.
Ao
todo, a China já assinou acordos relacionados à Nova Rota da Seda com
150 países, principalmente na Ásia e na África. A ofensiva nas Américas é
mais recente. E não vai parar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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