Joguem búzios, consultem o Espírito da Constituição e decidam-se logo pelo semipresidencialismo. Aproveitem e perguntem logo pelo nome do próximo semipresidente, pois no século XXI democracia virou daimocracia, com o poder na mão de um daimon (espírito) progressista. Bruna Frascolla via Gazeta do Povo:
Ao
abrir a primeira página desta Gazeta do Povo, fui apanhada de surpresa
por uma manchetona segundo a qual um tal de Lira quer transformar o
Brasil num país semipresidencialista – palavra que o meu corretor
ortográfico grifa, sinal de que nem deve constar no Houaiss. Quem é
mesmo esse Lira, com tanta importância para pautar, sozinho, os rumos
deste país? Não votei nele. De certa forma, pode-se dizer que o elegi
Presidente por meio de eleições indiretas, pois ele preside a Câmara
federal. Voto em deputados federais, os quais, em conjunto, elegeram
Lira presidente dessa casa legislativa. No entanto, se eu meio que elegi
Lira, isso não faz dele um semipresidente.
Mas
semipresidente é só metade da história. “Já que estamos discutindo
reformas eleitorais, que a gente já possa prever que em 2026 mude
definitivamente esse sistema no Brasil. Em vez de presidencialismo, para
semipresidencialismo ou parlamentarismo”, diz Lira.
Já
tivemos em 1993 um plebiscito para decidir se seríamos um país
presidencialista, parlamentarista ou monarquista. Decidimos que seríamos
presidencialistas. Mas, desde 2005, com o plebiscito do desarmamento,
sabemos que plebiscito não vale nada mesmo. Sabemos que a plebe ignara
não pode decidir coisa alguma, de modo que plebiscitos servem somente
para o povo ter a chance dizer “sim” e facilitar a vida de progressistas
abnegados que se esforçam para levar este país rumo à Idade da Razão.
Quando o resultado é “não”, aí cabem uns tapinhas condescendentes na
cabeça do povo e a negligência do plebiscito.
Ideia de Barroso
Tendo
aprendido isto muito bem, fiquei aliviada ao ver que a ideia na verdade
era do ministro Luis Roberto Barroso. Com Barroso, sim, venho
aprendendo muitas coisas sobre a Constituição e a vontade popular.
Nos
Estados Unidos, a juízes progressistas usam o fato de a Constituição
ser do século XVIII para dar tratos à bola, atualizar o espírito das
leis para o século XX e, depois, para o século XXI. No Brasil, cuja
Constituição é de 1988, detalhadíssima e subscrevente da Declaração
Universal dos Direitos Humanos feita no pós-guerra, usa-se da mesma
estratégia.
Eu
achava meio esquisito. Até entender que 1988 é um tempo remotíssimo,
talvez mais próximo do século XVIII do que do século XXI. Afinal, em
1988, se um caminhoneiro barbado chegasse ao cartório dizendo que se
autodeclarava mulher, seria tido por doido. No século XXI, entende-se (o
STF entendeu) que o eventual barbado não só não é doido como é uma
violação da dignidade humana negar-lhe a liberdade de determinar o
próprio sexo, aliás, o próprio gênero. Pois o homem, digo, a pessoa do
século XXI é tão evoluída, tão próxima dos anjos, que nem tem mais sexo:
tem gênero.
A
marcha do progresso caminha inelutavelmente para o futuro. Se a plebe
não quiser acreditar em espectro de gênero, caso se apegue à ideia
primária de que a humanidade se divide em machos e fêmeas (homem e
mulher), tal como os demais mamíferos (macaco e macaca, cachorro e
cadela, gato e gata, e assim por diante, excetuadas as onças, pois,
sendo sempre do gênero feminino, na certa são todas lésbicas,
reproduzindo-se quando uma onça transgênero engravida uma onça
cisgênero), se a plebe se apegar a noções tão atrasadas e
obscurantistas, dizia eu, é preciso que um Guia Supremo nos pegue pela
mão e nos leve ao futuro.
Constituição com cachimbo na boca
Assim,
na democracia do século XXI, cabe ao Supremo, munido de sua alta
hermenêutica e profunda inteligência, decifrar o espírito da
Constituição. Se nós, simplórios, líamos que nenhum brasileiro pode ser
discriminado em função de raça e entendíamos que não pode ter cota
racial, o Supremo interpreta e entende diferente. Se lemos que há
liberdade de ir e vir, o Supremo mostra que não é bem assim.
O
curioso nisso tudo é que, tendo sido redigida em 1988, por gente
atrasada, a Constituição ainda assim tem um espírito progressista que só
os muito expertos (sic) conseguem decifrar. A única explicação que
consigo divisar para isso é a de que o Espírito da Constituição é uma
entidade mágica que baixa, dá uns tragos no cachimbo e pontifica em
privado para os sacerdotes do Supremo Tribunal Federal. Ele dizia uma
coisa aos constituintes e agora diz outra aos ministros.
Assim,
minha sugestão para os ministros do STF é que deixem Lira de lado. Quem
pode tanger o povo não pode tanger o Congresso por quê? Joguem búzios,
consultem o Espírito da Constituição e decidam-se logo pelo
semipresidencialismo. Aproveitem e perguntem logo pelo nome do próximo
semipresidente, pois no século XXI democracia virou daimocracia, com o
poder na mão de um daimon (espírito) progressista.
blog orlando tambosi
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